quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO BRASILEIRO POR CRIMES HUMANITÁRIOS COMETIDOS DURANTE O REGIME MILITAR.







Marcelo Mendes da Costa, bacharel em direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (Sobral-CE) e membro do escritório Plenum Advocacia Empresarial Ltda.







RESUMO



Este artigo tem como objetivo o estudo da responsabilidade civil do Estado brasileiro pela perpetração de crimes humanitários ocorridos durante o regime militar que vigeu no país entre os anos de 1964 e 1985, analisando-se a prescrição das pretensões objetivadas, onde se conclui pela imprescritibilidade das mesmas, pelo fato de se considerar que crimes contra a humanidade e ações que visem à recomposição do patrimônio público são imprescritíveis, a Lei nº 6.683/79 (Lei de Anistia), concluindo-se pela sua inaplicabilidade ao caso em estudo, e as indenizações em face da Lei nº 9.140/95, onde se conclui pela existência da responsabilidade objetiva do Estado e seu dever de agir regressivamente contra os agentes públicos perpetradores de crimes humanitários com fins de se recompor o patrimônio público. Por fim, demonstra-se a obrigação do Estado brasileiro em revelar a verdade, através da abertura dos arquivos e informações sobre o aparato repressor da ditadura militar.



Palavras-chave: Ditadura Militar 1964-1985. Repressão Política. Crimes Humanitários. Lei de Anistia. Responsabilidade Civil do Estado. Direito de Regresso do Estado.

INTRODUÇÃO



Uma sociedade democrática se constrói com o respeito a cada um dos seus, conferindo-se o direito justo e equânime a todos, através da instituição de mecanismos que propiciem a defesa dos direitos humanos individuais e coletivos.

Jean-Jacques Rousseau, ao explicar o pacto social, especificamente no cerne do domínio real, terminou por alicerçar todo o sistema social ao propor que:



[...] em lugar de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima toda a desigualdade física, que entre os homens lançara a natureza, homens que podendo ser dessemelhantes na força, ou no engenho, tornam-se todos iguais por convenção e por direito. (ROUSSEAU, 1762, p. 35). (grifo nosso)



Ao comentar essa passagem, Rousseau (1762, p. 35) afirma que nos maus governos, essa igualdade é apenas ilusória, estando as leis servindo para “manter na miséria o pobre e o rico na sua usurpação”.



O Brasil, durante vinte anos, foi governado por militares, após um golpe militar ocorrido em 31 de março de 1964. O governo militar, que de início seria apenas provisório, tendo como escopo “garantir a segurança nacional”, transformou-se logo numa ditadura, criando um novo Estado, forte, repressor, garantidor de interesses escusos e supressor de vários direitos e garantias individuais.

Em virtude de tal situação, não demorou para que parte da população se insurgisse contra tais atos. Vários foram os movimentos contrários ao regime. Dentre os quais, havia os que propunham a volta à democracia de maneira pacífica, mas também aqueles que defendiam a luta armada como forma de derrubar o governo, com a conseqüente instalação de uma ditadura comunista, seguindo o exemplo da revolução cubana e chinesa.

Assim, assaltos, sequestros e homicídios passaram a fazer parte da rotina de alguns movimentos revolucionários; registrando-se que o presente trabalho se põe contra tais atos, entendendo que a democracia deve ser conquistada através da ampla participação popular e de maneira pacífica e irrestrita; todavia, violência reprimida com mais violência, e ainda mais partindo do Estado, deve ser repelida e condenada.

O governo militar, em virtude desses movimentos, organizou um forte sistema repressor, passando a contra-atacá-los de maneira totalmente desproporcional, promovendo prisões ilegais, homicídios e torturas contra opositores do regime. Várias pessoas foram exiladas, muitas perderam seus direitos políticos, e tantas ainda continuam desaparecidas.

Dessa maneira, percebe-se que na atuação do governo militar prevaleceu o total desrespeito aos direitos fundamentais individuais e coletivos; e não somente naquela época, mas também atualmente, ante a falta de informações sobre as circunstâncias das mortes, torturas e desaparecimentos e principalmente pela inexistência de responsabilização dos agentes públicos autores desses graves delitos.

No meio desse contexto, o presente artigo se presta para fazer um estudo sobre a questão da responsabilidade civil do Estado em virtude da perpetração de crimes humanitários durante o regime militar no período compreendido entre os anos de 1964 e 1985, averiguando-se da possibilidade do Estado exercer o direito de regresso contra os agentes públicos que, por dolo ou culpa, praticaram atos ilícitos considerados como crimes contra a humanidade, além da obrigação do Estado brasileiro em revelar a verdade, através da abertura dos arquivos e informações sobre o aparato repressor da ditadura militar.





1. Fundamentos Caracterizadores Básicos da Responsabilidade do Estado por Crimes Cometidos durante a Ditadura Militar.



No que tange aos crimes humanitários, conforme foi exposto em outro artigo de nossa autoria, existe toda uma estrutura jurídica de direito internacional protetiva dos direitos humanos e garantidora da responsabilização dos perpetradores de crimes de lesa humanidade.

Vários países onde ocorreram crimes contra a humanidade durante regimes de exceção, como Argentina e Chile, tomaram medidas tendentes a garantir a proteção aos direitos humanos, a partir de transições democráticas que se fizeram “respeitando o direito coletivo ao conhecimento público das violações aos direitos humanos.”1

Nos dias 24 e 25 de maio de 2007, na cidade de São Paulo, o Ministério Público Federal em São Paulo, através da Escola Superior do Ministério Público da União e com o apoio da Procuradoria-Geral da República, da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, dentre outros, com a presença de autoridades e juristas do Brasil, do Peru, do Chile e da Argentina, organizou o Debate Sul-Americano Sobre Verdade e Responsabilidade em Crimes Contra os Direitos Humanos, onde se redigiu um documento denominado Carta de São Paulo.

Num dos considerandos dessa carta, referiu-se que a atitude brasileira de forjar o esquecimento de fatos históricos para se esvair da composição de litígios passados, resulta em:



[...] a) causa de impunidade; b) uma lesão permanente ao direito à verdade e, conseqüentemente, ao princípio democrático; c) um estímulo à violência, aumentando a criminalidade; d) reveladora da idéia de um Estado não transparente, favorecendo a corrupção; e) uma afirmação da desigualdade social pois demonstra que nem todos são iguais perante a lei; f) prejudicial à credibilidade do Brasil em âmbito internacional; [...]



[...] tolerância de grande parte da sociedade a crimes graves como a tortura, bem como a alienação da mídia e das Instituições da Justiça brasileira no processo de transição democrática [...] (grifo nosso)



Em representação ao Ministério Público Federal em São Paulo sobre o tema, o professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Konder Comparato expôs que, quanto à busca pela defesa dos direitos humanos, através de seu caráter organizacional regido por seus princípios protetivos, figuram em lugar de destaque o da proteção da segurança e o da igualdade perante a lei2.

O princípio da segurança, no que se refere ao tema em estudo, apresenta duas dimensões que nos interessam, a segurança pessoal e a estabilidade das situações jurídicas subjetivas.

A primeira afirmação da proteção da segurança pessoal como dever do Estado foi na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789 (art. 2º). A partir de então, tal preceito vem se repetindo nos principais documentos internacionais sobre direitos humanos como a Declaração Universal de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

A consideração da segurança pessoal é assegurada por várias regras declaratórias de direitos fundamentais específicos, como o direito à vida e à integridade pessoal, daí decorrendo o fato de que tal proteção não se esvai nas medidas de prevenção à criminalidade, mas toma sua plenitude pelo sistema de repressão aos crimes ou abusos contra a vida e a integridade das pessoas:



[...] o dever fundamental do Estado é especialmente relevante, quando as violações são perpetradas pelos seus próprios agentes ou funcionários, incumbido às autoridades públicas tomar, desde logo, as medidas disciplinares ou penais cabíveis. (COMPARATO, p. 2, 2007).



No que tange à segurança decorrente da estabilidade das situações jurídicas subjetivas, a mesma é qualificada como uma característica essencial do Estado de Direito, no qual todo poder há de ser exercido com normas gerais e impessoais.

No direito anglo-saxônico esse princípio é consagrado pela fórmula do “due process of law”, que já aparece na Magna Carta de 1215 (art. 39), e também na 14º Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América.

Nossa atual Constituição edita várias regras de aplicação do ora princípio, como: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI); e “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV), além de outros. No âmbito do funcionamento da administração pública, a estabilidade das situações jurídicas subjetivas foi acentuada pelos princípios da legalidade e da impessoalidade, presente no caput do art. 37 de nossa Constituição.

Quanto ao princípio da igualdade perante a lei, o mesmo foi o marco inicial do processo de extinção do regime feudal, ratificado nas Revoluções Francesa e Americana, quando se admitiu o princípio de que cada sociedade política é regida por um direito uniforme, aplicado igualmente a todos os cidadãos, sem que se admita a existência de grupos sociais privilegiados em relação aos demais.

No Brasil, esse princípio aparece em todas as Constituições da República, inclusive naquela outorgada pelo regime militar: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas”. (Constituição Federal de 1969, art. 153, § 1º).

A sociedade brasileira conhece copiosamente as agruras ocorridas durante o regime político inaugurado com o golpe militar de 1964, onde agentes públicos praticaram abusos e atos criminosos contra grupos reacionários ao regime. Milhares de indivíduos foram assassinados ou submetidos à seqüestro, cárcere privado, abusos sexuais e torturas, em violação ao princípio citado da preservação da segurança pessoal.

Com o fim do regime militar em 1985, impendia às autoridades públicas do novo Estado de Direito exercer o dever fundamental de agir no sentido da responsabilização pelos desmandos ocorridos no regime antecedente. O que não ocorreu.

Na esfera da responsabilização criminal, deu-se uma falsa interpretação à Lei nº 6.683/79 (Lei da Anistia), onde se entendeu que a anistia abrangia também os agentes públicos, mandantes ou executores, que haviam cometido crimes contra a vida e a integridade pessoal dos cidadãos considerados opositores políticos do regime militar, por se considerar que os delitos praticados pelos agentes do Estado eram conexos com os imputados aos opositores políticos.

O Estado Brasileiro, na década de 90, invocou a idéia de “conciliação e pacificação nacional”, decidindo reconhecer às vítimas ou seus herdeiros uma indenização pecuniária, através da publicação das Leis nº 9.140 de 04 de dezembro de 1995, nº 10.875 de 1º de junho de 2004 e nº 10.559 de 13 de novembro de 2002.

O reconhecimento desse direito a indenização, nos casos especificados pela lei, implicou no reconhecimento oficial de uma responsabilidade civil do Estado. Em virtude disso, já foram despendidas pela União Federal e por alguns Estados federados elevadas somas pecuniárias, todavia, nenhuma ação regressiva foi intentada contra os agentes ou funcionários causadores dos danos ressarcidos com dinheiro público.

Conforme analisado no capítulo 4 desse trabalho, a Constituição Federal em vigor é clara quando dispõe no art. 37, § 6º que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviço público, têm responsabilidade objetiva diante dos administrados, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, vierem a causar, mas devendo intentar contra esses, em caso de dolo ou culpa, a competente ação regressiva. Entretanto, ao que se saiba, até hoje nenhuma medida judicial foi tomada para fazer cumprir esse mandamento constitucional.





2. Análise da Prescrição das Pretensões Objetivadas



No que concerne à prescrição das pretensões de se responsabilizar civilmente o Estado e seus agentes regressivamente pelos crimes em comento, afirma-se que a Constituição Federal de 1988, nos seus incisos XLII e XLIV, considera como imprescritíveis a ação de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito e a prática de racismo, enquanto à prática de tortura, constante no inciso XLII também do art. 5º, é considerada crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Em complemento, argumenta-se também que a Lei nº 6.683/79, anterior à Constituição de 1988, em seu art. 1º, concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores do Poder Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

Nesse sentido, visualiza-se que a vedação à concessão de anistia a crimes pela prática de tortura, prevista na Constituição Federal de 1988, não poderá retroagir para alcançar a Lei nº 6.683/79, tendo em vista o princípio constitucional da irretroatividade da Lei Penal, disposto no art. 5º, inciso XL, excetuando-se no caso de beneficiar o réu.

Tais argumentos são utilizados para tentar justificar que as pretensões aqui estudadas estão prescritas; entretanto, é sabido que a pauta de valores da Constituição Federal impede que, por decurso do tempo, graves atos de violação a direitos humanos sejam excluídos de apreciação judicial. É o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso Ellwanger:



15. ‘Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento’. No Estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantam a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável.



16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta para as gerações de hoje e de amanhã, para que impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem.” (HC 82.424/RS, Rel. para o acórdão Min. Maurício Corrêa, Pleno, unânime, j. 17/09/03, DJ 19/03/2004).



Embora o caso acima diga respeito ao crime de racismo, suas premissas podem ser igualmente aplicadas aos demais ilícitos com tratamento diferenciado pela Constituição, conforme observado no início do capitulo, quais sejam a tortura e o terrorismo (art. 5º, XLIII) e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV).

Ademais, numa análise sistemática, percebe-se que a atuação das forças de repressão pode ser compreendida como “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, conduta para a qual a Constituição Federal determinou a imprescritibilidade (art. 5º, XLIV). Nesse sentido, é fato que a repressão política se coadunava num aparato de natureza militar, que acometeu diretamente contra a proteção dos direitos fundamentais e era contrária aos princípios do Estado de direito democrático.

Portanto, consoante vontade do poder constituinte originário de 1988, a ação desses grupos armados, independente de se tratar de crimes humanitários, é imprescritível.

No âmbito do estudo dos crimes humanitários, é sobejamente pacífica a consideração de que tais crimes são de lesa-humanidade e que o direito internacional considera como costume internacional o entendimento de que tais ilícitos são imprescritíveis, o que foi normatizado pela Assembléia Geral das Nações Unidas através de diversos tratados e resoluções, o que serviu de fundamentação para decisões do mesmo porte em vários países com casos semelhantes.

O Superior Tribunal de Justiça já tem jurisprudência consolidada quanto à imprescritibilidade das pretensões relativas à reparação dos atos de tortura praticados durante a ditadura militar:



ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE POLÍTICA. PRISÃO E TORTURA. INDENIZAÇÃO. LEI Nº 9.140/1995. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. REABERTURA DE PRAZO.

1. Ação de danos morais em virtude de prisão e tortura por motivos políticos, tendo a r. sentença extinguido o processo, sem julgamento do mérito, pela ocorrência da prescrição, nos termos do art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932. O decisório recorrido entendeu não caracterizada a prescrição.

2. Em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição qüinqüenal prescritiva.

3. O dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais conseqüentes da sua prática.

4. A imposição do Decreto nº 20.910/1932 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal.

5. O art. 14, da Lei nº 9.140/1995, reabriu os prazos prescricionais no que tange às indenizações postuladas por pessoas que, embora não desaparecidas, sustentem ter participado ou ter sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e, em conseqüência, tenham sido detidas por agentes políticos.

6. Inocorrência da consumação da prescrição, em face dos ditames da Lei nº 9.140/1995. Este dispositivo legal visa a reparar danos causados pelo Estado a pessoas em época de exceção democrática. Há de se consagrar, portanto, a compreensão de que o direito tem no homem a sua preocupação maior, pelo que não permite interpretação restritiva em situação de atos de tortura que atingem diretamente a integridade moral, física e dignidade do ser humano.

7. Recurso não provido. Baixa dos autos ao Juízo de Primeiro Grau. (REsp 379.414/PR, Rel. Min. José Delgado, 1º Turma, Maioria, j. 26/11/2002, RSTJ 170/120) (grifo nosso)



E, ainda:



AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. TORTURA. REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE.

1. A Segunda Turma desta Corte Superior, em recente julgamento, ratificou seu posicionamento no sentido da imprescritibilidade dos danos morais advindos de tortura no regime militar (REsp 1.000.009/PE, Rel. Min. Humberto Martins, DJU 21.2.2008), motivo pelo qual a jurisprudência neste órgão fracionado considera-se pacífica. [...] (AgRg no REsp 970.690/MG, Rel. Min. CAMPBELL MARQUES, 2º Turma, unânime, j. 7/10/2008, DJ 5/11/2008). (grifo nosso)



Quanto à prescrição das obrigações dos agentes públicos causadores de crimes contra a humanidade suportarem regressivamente o ônus das indenizações, a Constituição Federal definiu no artigo 37, § 5º, que são imprescritíveis as ações de ressarcimento por atos ilícitos que causem prejuízo ao erário.



A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.



Com fulcro em tal dispositivo constitucional, não restam dúvidas quanto à imprescritibilidade das ações que visam à recomposição do patrimônio público.





3. A Inaplicabilidade da Lei nº 6.683/79 ao Tema em Estudo



Ainda durante o governo militar foi editada a Lei nº 6.683/79, denominada Lei de Anistia, cujo art. 1º tem o seguinte teor:



Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.



§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.



Percebe-se pela leitura do artigo 1º que foi concedida anistia penal para os autores de crimes políticos, crimes conexos aos políticos e crimes eleitorais, para todos os perseguidos do regime que sofreram sanções de suspensão de direitos políticos; além de anistia administrativa, para servidores públicos punidos com base nas leis de exceção e trabalhista, para dirigentes e representantes sindicais.

Destarte, verifica-se que não houve na lei qualquer menção ou referência de anistia para obrigações cíveis decorrentes da prática de atos ilícitos, seja em favor dos dissidentes políticos, seja para agentes públicos. O benefício da anistia ficou restrito à matéria penal e, para os perseguidos políticos, alcançou a área trabalhista e administrativa.

Por esse modo, as pretensões vinculadas no sentido de se responsabilizar civilmente o Estado pelos crimes em comento não sofre qualquer influxo da Lei de Anistia de 1979.

É oportuno salientar que em razão dessa interpretação que se deu à Lei de Anistia não houve processos criminais sobre as violações de direitos humanos durante a ditadura militar. O que desvincula totalmente a instância cível da criminal, em virtude de não haver decisão criminal sobre a ocorrência do fato ou da autoria.

Em sentido contrário, existem os que consideram que a Lei de Anistia promoveu definitivamente a reconciliação nacional, proibindo qualquer espécie de responsabilização dos autores de atos desumanos durante as perseguições políticas, penal ou não penal.

Entretanto, entre os crimes de homicídio, tortura, estupro e outros cometidos contra os militantes e os crimes políticos e eleitorais não há liame material, objeto da Lei de Anistia. Crimes políticos são ilícitos contra o Estado e não se confundem com os praticados para a suposta defesa do Poder, o que elimina qualquer possibilidade de nexo entre agentes públicos e militantes políticos. Da mesma forma, a alegação de que a militância política é que ensejou a prática daqueles crimes também é insuficiente para caracterizar o liame necessário à conexão. Não obstante, a conexão não é presumida, há que ser apurada e demonstrada em cada caso concreto.

De qualquer maneira, mesmo que se considerasse que a lei tivesse beneficiado também os perpetradores de violações aos direitos humanos que agiam pelo Estado, o que de fato ocorreu, essa interpretação, da existência de uma “anistia bilateral”, traz introduzida a aceitação de que o governo militar realizou uma autoanistia, em favor de si mesmo e de seus agentes, o que é inválido do ponto de vista jurídico.

O direito internacional, conforme jurisprudência dos tribunais internacionais, nega validade a esses atos, entendendo-se que leis de autoanistia deixam as vítimas indefesas e conduzem à perpetuação da impunidade, encontrando-se em flagrante incompatibilidade com a norma de proteção do Direito Internacional dos Direitos Humanos, acarretando violações de jure dos direitos da pessoa humana.

É de certa maneira inteligível a idéia de que as autoanistias são artifícios de impunidade, posto que são editadas ainda sob as ordens do governo de exceção, o qual concede imunidade penal para os atos cometidos sob suas ordens, sendo lógico que o próprio regime que pratica a violação não pode se “autoperdoar”.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Barrios Alto, tratou dessa matéria de maneira detalhada, seguindo abaixo trecho do voto-vista do juiz brasileiro Antônio A. Cançado Trindade:



5. As denominadas auto-anistias são, em suma, uma afronta inadmissível ao direito à verdade e ao direito à justiça (passando pelo próprio acesso à justiça). São elas manifestamente incompatíveis com as obrigações gerais – indissociáveis – dos Estados-Partes na Convenção Americana de respeitar e garantir os direitos humanos por ela protegidos, assegurando o livre e pleno exercício dos mesmos [...], assim como de adequar seu direito interno à norma internacional de proteção [...]. Ademais, afetam os direitos protegidos pela Convenção, em particular os direitos às garantias judiciais (artigo 8) e à proteção judicial (artigo 25).3



Nesse julgamento, o juiz Cançado Trindade se utiliza da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) para afirmar a incompatibilidade da auto-anistia com o ordenamento jurídico do direito internacional.

Note-se também da impossibilidade de se considerar a anistia aos militares como legítima pelo fato da mesma ter sido bilateral, pois é sabido que para os perseguidos do regime a mesma foi parcial e restrita. Os já condenados por crimes mais graves como terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal, não foram beneficiados pela Lei nº 6.683 por expressa disposição do parágrafo 2º de seu artigo 1º: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”.

Por outro lado, em 1979, praticamente todos os opositores que não estavam mortos ou desaparecidos já haviam sido processados, presos, banidos ou exilados. Para esses, a anistia serviu apenas para rever condenações, bem como para a libertação do cárcere ou a autorização de retorno ao país. Para os militares e policiais, porém, a anistia foi ampla e geral, abrangendo todo e qualquer crime e dispensando até mesmo a apuração das circunstâncias em que praticados.

Por esses e outros motivos, a Lei nº 6.683/79 é objeto de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) no Supremo Tribunal Federal, impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde se questiona, precisamente, a anistia aos representantes do Estado que, durante o regime militar, praticaram atos considerados como crimes contra a humanidade.





4. A Responsabilidade Civil do Estado e dos Agentes Públicos e as Indenizações em Face da Lei nº 9.140/95



Com efeito, é de sobejo conhecimento da sociedade brasileira a participação de atividades ilegais perpetradas por meio do aparato repressor montado pelo governo militar, através da prática de atos de tortura, homicídio e desaparecimento forçado de indivíduos, com o estimulo e a proteção dos superiores hierárquicos desses agentes.

Os atos ilícitos cometidos pelos agentes do regime militar não se deram de maneira isolada. Os DOI/CODI, por exemplo, são uma triste referência na prática de atos atentatórios aos direitos humanos, conforme tratado na Ação Civil Pública nº 2008.61.00.011414-5, em trâmite na 8º Vara Federal de São Paulo, onde requer o Ministério Público Federal a responsabilização do Estado brasileiro e dos ex-comandantes do DOI/CODI de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, pela “prática de diversos atos ilícitos, principalmente prisões ilegais, tortura, homicídio e desaparecimentos forçados.” (Fls. 05).

A responsabilidade desses agentes surge dos atos comissivos que praticaram e das omissões de seus superiores hierárquicos em evitar que seus subalternos violassem a integridade física e a dignidade dos presos e perseguidos políticos.

Primeiramente, os fatos caracterizadores dos ilícitos cometidos contra os dissidentes políticos configuram plenamente a conduta atribuída ao poder público, a qual, conforme a Teoria do Risco Administrativo, não há necessidade de apuração de culpa, bastando a caracterização dos danos causados por tais condutas, os quais estão visivelmente presentes na memória da sociedade brasileira, através dos relatos dos sobreviventes, bem como dos agentes públicos participantes desses atos.

O último requisito caracterizador da responsabilidade civil, o nexo de causalidade, haverá de ser analisado em cada caso concreto, em virtude das especificidades de cada situação tutelada, onde caberá às vítimas ou ao Ministério Público a propositura de demandas cíveis tendentes a garantir o direito material das vítimas e de seus familiares.

Não obstante, a União Federal e os Estados federados não cumpriram o dever legal de adoção de providências imediatas e efetivas de identificação e revelação desses fatos, sendo um dever-poder desses entes a iniciativa da propositura de tais procedimentos.

Caso haja a efetivação essas medidas, proporcionar-se-á a tutela de três esferas de direitos constitucionalmente abrangidos, quais sejam, os direitos individuais homogêneos das famílias das vítimas em verem definidas judicialmente as circunstâncias e responsabilidades pela morte e demais violências sofridas por seus entes; o direito difuso de toda a população a conhecer esse aspecto da história do País e a ter identificadas as graves violações a direitos humanos; e o direito também difuso da sociedade de estabelecer a responsabilidade pessoal dos agentes públicos pelas indenizações assumidas pela União e por alguns Estados federados4.

No que tange à efetiva caracterização de que o Estado é responsável civilmente por esses fatos, foi editada a Lei nº 9.140/95, a qual reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e na concessão de indenizações, a título reparatório, pelos danos decorrentes dos atos ilícitos praticados por agentes estatais durante o regime militar, trazendo assim um reconhecimento oficial da Responsabilidade Objetiva do Estado

Entretanto, depois de feitas as devidas indenizações, tudo continuou como era antes. O Poder Público suportou sozinho as indenizações e não foram tomadas medidas no sentido de apurar regressivamente os atos dos agentes públicos causadores desses crimes. Da mesma forma, as Forças Armadas continuam a controlar os arquivos do período ditatorial, e o Executivo e o Legislativo não podem, ou não querem entrar nesta área; neste quadro, ganha sentido as palavras do Coronel Geraldo Cavagnati, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp:



O caso dos desaparecidos políticos não é resolvido no Brasil porque todos foram casos de assassinato. O problema para superar o período da ditadura e suas seqüelas está na dificuldade de as Forças Armadas reconhecerem institucionalmente culpa em tudo o que aconteceu, como já deveriam ter feito, mas não fizeram até hoje e não farão em breve. O que ocorreu não foi uma política isolada dos porões da repressão, mas uma política nacional de segurança que os presidentes da República e seus ministros deste período aprovaram explicitamente ou por omissão. Não há condições no momento de as Forças Armadas fazerem sua mea culpa. (Jornal do Brasil, 23-5-2000).5





1.4.1 Responsabilidade Pessoal dos Agentes Estatais: Direito de Regresso do Estado Brasileiro e Danos Coletivos


A sociedade brasileira, através do Tesouro Nacional, suportou o pagamento de várias indenizações por ilícitos perpetrados por agentes públicos do governo militar. Alcançadas por disposição constitucional, as vítimas, ou seus parentes, fizeram jus a indenizações pelos danos decorrentes dos atos ilícitos a que foram submetidas durante o regime militar brasileiro.

Os atos de violação a direitos fundamentais ocorridos nesse período deram ensejo à responsabilidade objetiva do Estado pelos danos suportados. Em conseqüência, o erário federal e de alguns Estados federados se viram compelidos a despender vultosos recursos no pagamento dessas indenizações, nos termos da Lei nº 9.140/95, mencionada anteriormente, e em virtude de decisões judiciais em processos ajuizados pelas vítimas, conforme caso abaixo citado:



Diante do princípio da responsabilidade civil objetiva do Estado, com apoio na Teoria do Risco Administrativo, é cabível indenização por dano tanto material, como moral, a anistiado político, a quem foi infligido tratamento que atingiu as suas esferas física e psíquica, resultando, daí, na violação de direitos constitucionalmente garantidos e protegidos (CF, art. 5º, X). Assim, comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a atuação estatal, incide a regra prevista no art. 37, § 6º, da CF/88. (Acórdão nº 1997.35.00.006010-0, Rel. Des. Fed. Fagundes de Deus, TRF 1º Região, maio, 2005)



Conforme dados do relatório Direito à Memória e à Verdade da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial de Direitos Humanos, além das 132 pessoas listadas do Anexo da Lei nº 9.140/95, a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos aprovou 221 casos a ser indenizados, tendo como piso o valor de R$ 100 mil. A maior indenização paga foi aos familiares de Nilda Carvalho da Cunha, no valor de R$ 152.250,00.

Dessa maneira, percebe-se a considerada quantia despendida pela União nesse caso, sem contar as indenizações provenientes de ações judiciais demandadas por todo o país. Infere-se assim ser inconcebível que a sociedade arque os prejuízos causados por condutas que podem estar eivadas de culpa ou dolo de agentes públicos, sendo obrigação do Estado exercer seu direito de regresso para a averiguação da responsabilidade subjetiva desses agentes públicos.

Tal constatação se encontra lastreada na Constituição Federal de 1988, artigo 37, § 6º, da mesma forma como já o faziam as Constituições outorgadas de 1967 (artigo 105) e 1969 (artigo 107).

Todavia, a doutrina nacional, com parcas exceções, não tem salientado que a propositura dessa ação de regresso contra o agente público causador de dano é um dever do Estado. Inclusive a União, em contestação apresentada na Ação Civil Pública nº 2008.61.00.011414-5, afirmou que, quanto a esse tema, a Lei nº 9.140/95 teve como objetivo a “paz social” (p. 538), configurando “no máximo, hipótese legal de reconhecimento de Responsabilidade Objetiva do Estado, não havendo, pois, que se cogitar de dolo ou culpa” (ps. 538/539), afirmando por fim que “inexiste qualquer omissão da União em obter o direito de regresso” (p. 545) 6.

Sem embargos, é dever a duplo título do Estado promover ação regressiva contra tais agentes, a uma, porque, em se tratando de violação a direito fundamental, ao Estado compete agir punitivamente contra o responsável, máxime se este compõe o seu corpo de funcionários. A duas, porque, em se tratando de ressarcimento operado com recursos públicos, isto é, recursos pertencentes primariamente à sociedade, o prejuízo pecuniário não deve ser sofrido por essa, mas há de recair, em última instância, sobre o autor do dano.

Não obstante as indenizações suportadas pelo Estado, a sociedade brasileira suportou e suporta prejuízos de ordem imaterial. O medo, o desrespeito às leis e aos direitos humanos e a omissão da verdade sobre as circunstâncias dos ilícitos perpetrados durante esse período também geraram, e geram danos que devem ser reparados.

São os denominados danos morais coletivos, conforme registra BITTAR FILHO:



[...] dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.7



O posicionamento da impossibilidade de cumulação de indenização por danos morais com danos materiais restou superado e não se aplica ao caso em estudo. Da mesma forma, é oportuno registrar que não há óbice à reparação de danos morais coletivos por fatos ocorridos anteriormente à Constituição de 1988.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afastou esse vetusto dogma, conforme fixado na súmula nº 37 e nos acórdãos prolatados nos Recursos Especiais nº 475.625/PR8, 646.154/RJ9, 232.103/SP10 e 320.462/SP, citado abaixo:



RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. FATO ANTERIOR A 1988.

É devida a indenização por dano moral, ainda que o fato tenha ocorrido antes da promulgação da Carta Política, pois o ordenamento jurídico já previa anteriormente a responsabilidade civil do causador do dano extrapatrimonial (art. 159 do Código Civil de 1916).11



Portanto, esse trabalho não visa somente à defesa do retorno ao erário dos valores por esse despendido, mas também a reparação de danos coletivos, mediante a promoção dos valores da justiça transicional, a qual será estudada adiante.





1.4.2 Obrigação do Estado Brasileiro em Revelar a Verdade e Promover a Reparação Regressiva


É de amplo conhecimento a existência de práticas atentatórias aos direitos humanos durante o regime militar no Brasil, constatação essa lastreada em diversos documentos, testemunhos, inclusive decisões judiciais, onde é possível colher elementos suficientes para responsabilizar o Estado, como já vem sendo feito, e os agentes públicos pela reiterada violação de direitos fundamentais à dignidade e à integridade da pessoa humana.

Não obstante, o Exército brasileiro insiste em não trazer a conhecimento público os arquivos e informações que permitam conhecer integralmente o funcionamento do aparato repressor do governo militar.

A mera passagem de um governo de exceção para um democrático não é suficiente para reconciliar a sociedade e por fim às violações aos direitos humanos.

Chama-se de justiça transicional o conjunto de medidas necessárias para a superação de períodos de graves violações a direitos humanos ocorridos no cerne de conflitos armados ou de regimes autoritários, implicando na adoção de medidas tendentes a esclarecer a verdade, realizar a justiça, promover a reparação dos danos às vítimas, a reforma institucional das Forças Armadas, órgãos policiais e serviços de segurança, com o escopo de adequá-los aos valores inerentes do regime de um Estado Democrático de Direito, fundado no respeito aos direitos fundamentais e instituição de espaços de memória.12

As medidas de justiça transicional são instrumentos de prevenção contra novos regimes autoritários partidários da violação de direitos humanos como medidas institucionais, especialmente por demonstrar à sociedade que esses atos em hipótese alguma podem ficar impunes. Nesse sentido, reforçam a cidadania e a democracia pela valorização da verdade e da reparação, bem como pelo repúdio à cultura da impunidade e do segredo.

Ademais, é notório que o uso da tortura e da violência como meios de investigação ainda hoje pelos aparatos policiais brasileiros decorre, em grande medida, dessa cultura da impunidade. A falta de responsabilização dos agentes públicos que realizaram esses atos no passado inspira e dá confiança aos atuais perpetradores.

Dessa maneira, torna-se indispensável o cumprimento dos preceitos constitucionais previstos nos artigos 1º, caput, e 5º, XIV e XXIII. Urge que se promova a abertura total de todos os arquivos, documentos e informações, para que sejam conhecidas todas as circunstâncias e todos os responsáveis pelos ilícitos praticados nessa época.

A falta de verdade impede assim o efetivo desenvolvimento da cidadania e da democracia, impossibilitando ao cidadão o pleno exercício do Poder estatal, conforme disposição constitucional no artigo 1º, parágrafo único, “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente”.

Para o exercício de qualquer poder, é pressuposto o conhecimento da situação fática sobre o qual o será exercido. Só o acesso à informação possibilita a compreensão da realidade e da história.

A abertura dos arquivos e a cabal revelação de informações mantidas sob sigilo permitirá a apuração das exatas circunstâncias de cada um dos eventos, assim como a identificação dos responsáveis.

Por conseguinte, deve ser declarada a responsabilidade do Estado a divulgar à sociedade todo o acervo de documentos e informações sobre a estrutura repressora montada pelo governo militar, ante ao fato de que sua omissão atenta contra o direito à memória e à verdade, bem como ao direito dos familiares das vítimas a conhecer as circunstâncias das violências que sofreram.

Nem há como se alegar a existência de sigilo, pois, em primeiro lugar, os prazos máximos previstos em lei para a manutenção de reserva desses documentos já foram ultrapassados, os quais são de 30 anos, conforme art. 23, § 2º da Lei nº 8.159/91, bem como não existe atualmente fundamento que justifique sejam tais informações subtraídas do conhecimento público.

O Constituinte originário de 1988 consagrou expressamente o direito fundamental de acesso do cidadão aos acervos públicos no inciso XXXIII do artigo 5º:



XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.



É fato que tal norma acima citada admite que documentos sejam mantidos sob sigilo, quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. É uma exceção razoável e pontual ao direito fundamental, visto que, em situações especiais, é autorizada a omissão de dados e de informações do conhecimento público, pois a revelação precipitada seria danosa para o país.

Entretanto, o sigilo configura-se como medida excepcional, devendo ser formalmente justificado e os documentos objeto dele devidamente inventariados em procedimento próprio e de caráter público. É inconcebível a argüição do sigilo para que sequer ateste a existência desses, sob pena dos mesmos serem destruídos ou até apropriados por particulares.

O Estado tem o dever de demonstrar que o segredo é indispensável, não se podendo transformar supostos riscos em fundamento para omissão de documentos, a imprescindibilidade é requisito expressamente referido na Constituição para a segurança do Estado e da sociedade. Da mesma maneira, não está contido na exceção constitucional o sigilo para preservar interesses individuais de autoridades, ou a possibilidade de esconder da população fatos do passado unicamente por serem “desabonadores de biografias”13.

Assim, não é admissível a estipulação de sigilo eterno ou a fixação de prazos irrazoavelmente longos para a desclassificação do caráter sigiloso do documento. A atualidade do dano decorrente da divulgação do documento deve ser reconsiderada a intervalos certos de tempo, à luz da situação e das perspectivas do momento histórico em que se vive. Por esse motivo, aliás, o Procurador Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4077) contra a Lei 11.111/2005, que regula o sigilo de documentos públicos no Brasil, reputando inconstitucional a norma do artigo 6º, § 2º.

É inelutável, portanto, a existência de direito coletivo à plena e integral abertura dos arquivos públicos, inclusive militares, cumprindo salientar que também é dever do Estado adotar ordinariamente as medidas de reparação do Tesouro Nacional relativamente às indenizações que suportou em decorrência dos ilícitos praticados na repressão à dissidência política no regime militar. Tal dever é constitucional (art. 37, § 6º), como visto acima.



[1]Debate Sul-Americano Sobre Verdade e Responsabilidade em Crimes Contra os Direitos Humanos. Carta de São Paulo. Reproduzido em Acesso em: 08 mai. 2009.



2COMPARATO. Representação ao Ministério Público Federal em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2008.



3Caso “Barrios Alto Vs. Peru”. Sentença de 14 de março de 2001. Parágrafo 44. Disponível em . Acesso em: 13, maio. 2009.



4Ação Civil Pública nº 2008.61.00.011414-5, 2008, p. 62.



5 MARTINS FILHO. O governo Fernando Henrique e as Forças Armadas: um passo à frente, dois passos atrás. Disponível em . Acesso em: 15 maio. 2009.



6 Acesso em: 19 maio. 2009.



7Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, 2003, p. 55.



8Rel. p/ Acórdão Min. FRANCIULLI NETTO, 2ª Turma, maioria, j. 18/10/2005, DJ 20/03/2006.



9Rel. Min. GOMES DE BARROS, 3ª Turma, unânime, j. 21/11/2006, DJ 18/12/2006.



[1]0Rel. Min. RUY AGUIAR, 4ª Turma, unânime, j. 18/11/1999, DJ 17/12/1999.



11Rel. Min. BARROS MONTEIRO, 4ª Turma, unânime, j. 15/9/2005, DJ 24/10/2005.



[1]2BLICKFORD. Transicional Justice (verbete). In The Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity, Macmillan Reference USA, 2004. Reproduzido em: . Acesso em: 12 abr. 2009.


[1]3Ação Civil Pública nº 2008.61.00.011414-5, 2008, p. 70.





CONCLUSÃO



Encerrando os estudos sobre matéria, na esperança de se ter transformado esse trabalho num instrumento de defesa da democracia e dos direitos fundamentais individuais e coletivos e com arrimo em todas as ponderações feitas e discutidas ao decorrer do mesmo, passemos a expor a análise conclusiva a seguir.

Quanto ao estudo da responsabilidade civil do Estado, concluiu-se do papel relevante do Poder Público em estabelecer as diretrizes almejadas pelo corpo social que o instituiu, devendo o mesmo concentrar esforços na busca pelo interesse público, mas, com esteio no princípio da igualdade, procurar preservar o direito dos particulares.

Nesses termos, concluiu-se que é dever do Estado indenizar as vítimas e familiares pelos danos morais e materiais causados pelo regime militar contra esses, o que já vem sendo feito desde a edição da Lei nº 9.140/95, em virtude não só dos danos causados às vítimas, mas em virtude da desvirtuação do papel do Estado perante o corpo social.

Conclui-se que a anistia concedida pela Lei nº 6.683/79 não há que ser alegada para a defesa dos agentes públicos que cometeram tais danos, pelo fato da mesma não ter se referido a vinculações de natureza civil; e que é dever do Estado agir regressivamente contra esses agentes públicos, com o escopo na reparação do Tesouro Nacional relativamente às indenizações que suportou em decorrência dos ilícitos praticados na repressão à dissidência política no regime militar, conforme preceito constitucional (art. 37, § 6º).

Quanto ao estudo da prescrição, concluiu-se da imprescritibilidade das pretensões objetivadas nesse estudo, ante a consideração de que tais crimes são de lesa-humanidade e que o direito internacional considera como costume internacional o entendimento de que tais ilícitos são imprescritíveis, bem como pela determinação constitucional da imprescritibilidade das ações relativas à recomposição do patrimônio público.

Por fim, concluiu-se que, independente da legitimidade do golpe ou dos movimentos reacionários naquela época, era dever do Estado, mesmo sob a administração de um governo de exceção, preservar os direitos fundamentais já reconhecidos no direito interno e internacional, especificamente na garantia do devido processo legal àqueles acusados de terrorismo, assassinatos e seqüestros, os quais deveriam responder por esses atos, mas perante a sociedade, através de um julgamento eivado da ampla defesa, do contraditório e de todas as garantias legais, e não ser alvo de perseguição e torturas, posto que assim, todos saem perdendo, principalmente nossa nação.



REFERÊNCIAS



AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 300, p. 25, 1960.


BASTOS, Lucia Elena Arantes Ferreira. As Leis de Anistia face o Direito Internacional. O caso brasileiro. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.



BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 12, p. 55, 2003.



BLICKFORD, Louis. Transicional Justice (verbete). In The Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity, Macmillan Reference USA, 2004.


BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 8. Ed., Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.


BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.



COMPARATO, Fábio Konder. Representação ao Ministério Público Federal em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2008.



DEBATE SUL-AMERICANO SOBRE VERDADE E RESPONSABILIDADE EM

CRIMES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS. Carta de São Paulo. São Paulo: 2007. Disponível em: . Acesso em: 08 maio. 2009.



MARTINS FILHO, João Roberto. O governo Fernando Henrique e as Forças Armadas: um passo à frente, dois passos atrás. Disponível em . Acesso em: 15 maio. 2009.


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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

SABESP É CONDENADA A RESTITUIR VALORES COBRADOS DE FORMA ILEGAL E A MAIOR DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL

SABESP é condenada a restituir valores cobrados de forma ilegal de Condomínio Comercial. O Condomínio Edifício Vila Rica Center, localizado no Gonzaga, em Santos, saiu vitorioso em uma ação, movida contra a Sabesp, que foi condenada a restituir quantias pagas indevidamente pelo condomínio desde maio de 1999, referentes cobrança de tarifas de água e coleta de esgoto. As cobranças exorbitantes ocorrem porque a Sabesp, usando de dispositivos do Decreto Estadual n. 41.446/96, considerados ilegais, para efeitos de tarifação, considerou como se as 72 unidades do Condomínio Edifício Vila Rica Center fossem uma só unidade, uma única pessoa de direitos e obrigações, cujo resultado do consumo acaba sendo aparentemente excessivo, e a fornecedora Sabesp aplica uma tabela progressiva, cujo valor é exorbitante, quando o correto seria a divisão do consumo mensal pelas 72 unidades e após multiplicar pelo mínimo de sua tabela, e não pelo máximo, como sempre fazia, antes da decisão judicial. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo declarou ilegal o método de cobrança utilizado pela Sabesp, pois ofende ao Princípio da Igualdade, discriminando entre os consumidores agrupados em prédios e os que se instalam em edifícios modernos, onde há medidores de consumo individual, ou ainda, por exemplo, quando o usuário exerce suas atividades em casas, isoladamente. Afronta também a concessionária, a Sabesp, a Lei Federal dos Condomínios e Incorporações Imobiliárias. Esta injustiça, e ilegalidade, na cobrança excessiva ocorrem em muitos condomínios comerciais na cidade de Santos, que são considerados como uma só unidade para se enquadrar na tabela de cobrança, pagando-se muito mais do que o dobro que realmente é devido, pois a Sabesp não divide o consumo pelas unidades consumidoras, e foi para reparar essa ilegalidade que o Condomínio Vila Rica Center, localizado na Avenida Ana Costa 493, em Santos, processou a SABESP, a qual foi condenada a devolver cerca de quinhentos mil reais para o condomínio, e passar a calcular o consumo como antes, reduzindo o valor da conta mensal em 50%. O que é lamentável é que a SAPESP só deixou de cobrar as tarifas de forma excessiva e ilegal, devolvendo os valores cobrados muito a maior, somente por ordem judicial, em um processo específico de condomínio comercial, que exigiu seus direitos perante o judiciário, sendo que a maioria dos condomínios comerciais de Santos acaba pagando valores exorbitantes, por não possuírem medidores de consumo individual e não reivindicarem seus direitos perante o Judiciário.
Caso haja interesse, entre em contato com SILVIA BRIZOLLA, (13) 30111470, (13) 97719510.

REFORMA ORTOGRÁFICA NA ÍNTEGRA

REFORMA ORTOGRÁFICA NA ÍNTEGRA
Decreto nº 6.583, de 29 de Setembro de 2008
Promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 54, de 18 de abril de 1995, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990;
Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação do referido Acordo junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, na qualidade de depositário do ato, em 24 de junho de 1996;
Considerando que o Acordo entrou em vigor internacional em 1º de janeiro de 2007, inclusive para o Brasil, no plano jurídico externo;
DECRETA:
Art. 1º O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, entre os Governos da República de Angola, da República Federativa do Brasil, da República de Cabo Verde, da República de Guiné-Bissau, da República de Moçambique, da República Portuguesa e da República Democrática de São Tomé e Príncipe, de 16 de dezembro de 1990, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.
Art. 2º O referido Acordo produzirá efeitos somente a partir de 1º de janeiro de 2009.
Parágrafo único. A implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida.
Art. 3º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29 de setembro de 2008; 187º da Independência e 120º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Celso Luiz Nunes Amorim
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Considerando que o projeto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional,
Considerando que o texto do acordo que ora se aprova resulta de um aprofundado debate nos Países signatários,
a República Popular de Angola, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde, a República da Guiné-Bissau, a República de Moçambique, a República Portuguesa, e a República Democrática de São Tomé e Príncipe,
acordam no seguinte:
Artigo 1º
É aprovado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que consta como anexo I ao presente instrumento de aprovação, sob a designação de Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) e vai acompanhado da respectiva nota explicativa, que consta como anexo II ao mesmo instrumento de aprovação, sob a designação de Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Artigo 2º
Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.
Artigo 3º
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa.
Artigo 4º
Os Estados signatários adotarão as medidas que entenderem adequadas ao efetivo respeito da data da entrada em vigor estabelecida no artigo 3º.
Em fé do que, os abaixo assinados, devidamente credenciados para o efeito, aprovam o presente acordo, redigido em língua portuguesa, em sete exemplares, todos igualmente autênticos.
Assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990.
PELA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA
JOSÉ MATEUS DE ADELINO PEIXOTO Secretário de Estado da Cultura
PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
CARLOS ALBERTO GOMES CHIARELLI Ministro da Educação
PELA REPÚBLICA DE CABO VERDE
DAVID HOPFFER ALMADA Ministro da Informação, Cultura e Desportos
PELA REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
ALEXANDRE BRITO RIBEIRO FURTADO Secretário de Estado da Cultura
PELA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
LUIS BERNARDO HONWANA Ministro da Cultura
PELA REPÚBLICA PORTUGUESA
PEDRO MIGUEL DE SANTANA LOPES Secretário de Estado da Cultura
PELA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
LÍGIA SILVA GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO COSTAMinistra da Educação e Cultura
ANEXO I
ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA (1990)
Base I Do alfabeto e dos nomes próprios estrangeiros e seus derivados
1º) O alfabeto da língua portuguesa é formado por vinte e seis letras, cada uma delas com uma forma minúscula e outra maiúscula:
a A (á) j J (jota) s S (esse) b B (bê) k K (capa ou cá) t T (tê) c C (cê) l L (ele) u U (u) d D (dê) m M (eme) v V (vê) e E (é) n N (ene) w W (dáblio) f F (efe) o O (ó) x X (xis) g G (gê ou guê) p P (pê) y Y (ípsilon) h H (agá) q Q (quê) z Z (zê) i I (i) r R (erre)
Obs.: 1. Além destas letras, usam-se o ç (cê cedilhado) e os seguintes dígrafos: rr (erre duplo), ss (esse duplo), ch (cê-agá), lh (ele-agá), nh (ene-agá), gu (guê-u) e qu (quê-u).2. Os nomes das letras acima sugeridos não excluem outras formas de as designar.
2º) As letras k, w e y usam-se nos seguintes casos especiais:
a) Em antropónimos/antropônimos originários de outras línguas e seus derivados: Franklin, frankliniano; Kant, kantismo; Darwin, darwinismo; Wagner, wagneriano; Byron, byroniano; Taylor, taylorista;
b) Em topónimos/topônimos originários de outras línguas e seus derivados: Kwanza, Kuwait, kuwaitiano; Malawi, malawiano;
c) Em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; K-potássio (de kalium), W-oeste (West); kg-quilograma, km-quilómetro, kW-kilowatt, yd-jarda (yard); Watt.
3º) Em congruência com o número anterior, mantêm-se nos vocábulos derivados eruditamente de nomes próprios estrangeiros quaisquer combinações gráficas ou sinais diacríticos não peculiares à nossa escrita que figurem nesses nomes: comtista, de Comte; garrettiano, de Garrett; jeffersónia/jeffersônia, de Jefferson; mülleriano, de Müller, shakespeariano, de Shakespeare.
Os vocabulários autorizados registrarão grafias alternativas admissíveis, em casos de divulgação de certas palavras de tal tipo de origem (a exemplo de fúcsia/ fúchsia e derivados, buganvília/ buganvílea/ bougainvíllea).
4º) Os dígrafos finais de origem hebraica ch, ph e th podem conservar-se em formas onomásticas da tradição bíblica, como Baruch, Loth, Moloch, Ziph, ou então simplificar-se: Baruc, Lot, Moloc, Zif. Se qualquer um destes dígrafos, em formas do mesmo tipo, é invariavelmente mudo, elimina-se: José, Nazaré, em vez de Joseph, Nazareth; e se algum deles, por força do uso, permite adaptação, substitui-se, recebendo uma adição vocálica: Judite, em vez de Judith.
5º) As consoantes finais grafadas b, c, d, g e t mantêm-se, quer sejam mudas, quer proferidas, nas formas onomásticas em que o uso as consagrou, nomeadamente antropónimos/antropônimos e topónimos/topônimos da tradição bíblica: Jacob, Job, Moab, Isaac; David, Gad; Gog, Magog; Bensabat, Josafat.
Integram-se também nesta forma: Cid, em que o d é sempre pronunciado; Madrid e Valhadolid, em que o d ora é pronunciado, ora não; e Calecut ou Calicut, em que o t se encontra nas mesmas condições.
Nada impede, entretanto, que dos antropónimos/antopônimos em apreço sejam usados sem a consoante final Jó, Davi e Jacó.
6º) Recomenda-se que os topónimos/topônimos de línguas estrangeiras se substituam, tanto quanto possível, por formas vernáculas, quando estas sejam antigas e ainda vivas em português ou quando entrem, ou possam entrar, no uso corrente. Exemplo: Anvers, substituído por Antuérpia; Cherbourg, por Cherburgo; Garonne, por Garona; Genève, por Genebra; Jutland, por Jutlândia; Milano, por Milão; München, por Munique; Torino, por Turim; Zürich, por Zurique, etc.
Base II Do h inicial e final

1º) O h inicial emprega-se:
a) Por força da etimologia: haver, hélice, hera, hoje, hora, homem, humor.
b)Em virtude de adoção convencional: hã?, hem?, hum!.
2º) O h inicial suprime-se:
a)Quando, apesar da etimologia, a sua supressão está inteiramente consagrada pelo uso: erva, em vez de herva; e, portanto, ervaçal, ervanário, ervoso (em contraste com herbáceo, herbanário, herboso, formas de origem erudita);
b)Quando, por via de composição, passa a interior e o elemento em que figura se aglutina ao precedente: biebdomadário, desarmonia, desumano, exaurir, inábil, lobisomem, reabilitar, reaver;
3º)O h inicial mantém-se, no entanto, quando, numa palavra composta, pertence a um elemento que está ligado ao anterior por meio de hífen: anti-higiénico/anti-higiênico, contra-haste; pré-história, sobre-humano.
4º)O h final emprega-se em interjeições: ah! oh!
Base III Da homofonia de certos grafemas consonânticos
Dada a homofonia existente entre certos grafemas consonânticos, torna-se necessário diferençar os seus empregos, que fundamentalmente se regulam pela história das palavras. É certo que a variedade das condições em que se fixam na escrita os grafemas consonânticos homófonos nem sempre permite fácil diferenciação dos casos em que se deve empregar uma letra e daqueles em que, diversamente, se deve empregar outra, ou outras, a representar o mesmo som.
Nesta conformidade, importa notar, principalmente, os seguintes casos:
1º)Distinção gráfica entre ch e x: achar, archote, bucha, capacho, capucho, chamar, chave, Chico, chiste, chorar, colchão, colchete, endecha, estrebucha, facho, ficha, flecha, frincha, gancho, inchar, macho, mancha, murchar, nicho, pachorra, pecha, pechincha, penacho, rachar, sachar, tacho; ameixa, anexim, baixel, baixo, bexiga, bruxa, coaxar, coxia, debuxo, deixar, eixo, elixir, enxofre, faixa, feixe, madeixa, mexer, oxalá, praxe, puxar, rouxinol, vexar, xadrez, xarope, xenofobia, xerife, xícara.
2º)Distinção gráfica entre g, com valor de fricativa palatal, e j: adágio, alfageme, Álgebra, algema, algeroz, Algés, algibebe, algibeira, álgido, almargem, Alvorge, Argel, estrangeiro, falange, ferrugem, frigir, gelosia, gengiva, gergelim, geringonça, Gibraltar, ginete, ginja, girafa, gíria, herege, relógio, sege, Tânger, virgem; adjetivo, ajeitar, ajeru (nome de planta indiana e de uma espécie de papagaio), canjerê, canjica, enjeitar, granjear, hoje, intrujice, jecoral, jejum, jeira, jeito, Jeová, jenipapo, jequiri, jequitibá, Jeremias, Jericó, jerimum, Jerónimo, Jesus, jibóia, jiquipanga, jiquiró, jiquitaia, jirau, jiriti, jitirana, laranjeira, lojista, majestade, majestoso, manjerico, manjerona, mucujê, pajé, pegajento, rejeitar, sujeito, trejeito.
3º)Distinção gráfica entre as letras s, ss, c, ç e x, que representam sibilantes surdas: ânsia, ascensão, aspersão, cansar, conversão, esconso, farsa, ganso, imenso, mansão, mansarda, manso, pretensão, remanso, seara, seda, Seia, Sertã, Sernancelhe, serralheiro, Singapura, Sintra, sisa, tarso, terso, valsa; abadessa, acossar, amassar, arremessar, Asseiceira, asseio, atravessar, benesse, Cassilda, codesso (identicamente Codessal ou Codassal, Codesseda, Codessoso, etc.), crasso, devassar, dossel, egresso, endossar, escasso, fosso, gesso, molosso, mossa, obsessão, pêssego, possesso, remessa, sossegar; acém, acervo, alicerce, cebola, cereal, Cernache, cetim, Cinfães, Escócia, Macedo, obcecar, percevejo; açafate, açorda, açúcar, almaço, atenção, berço, Buçaco, caçanje, caçula, caraça, dançar, Eça, enguiço, Gonçalves, inserção, linguiça, maçada, Mação, maçar, Moçambique, Monção, muçulmano, murça, negaça, pança, peça, quiçaba, quiçaça, quiçama, quiçamba, Seiça (grafia que pretere as erróneas/errôneas Ceiça e Ceissa), Seiçal, Suíça, terço; auxílio, Maximiliano, Maximino, máximo, próximo, sintaxe.
4º)Distinção gráfica entre s de fim de sílaba (inicial ou interior) e x e z com idêntico valor fónico/fônico: adestrar, Calisto, escusar, esdrúxulo, esgotar, esplanada, esplêndido, espontâneo, espremer, esquisito, estender, Estremadura, Estremoz, inesgotável; extensão, explicar, extraordinário, inextricável, inexperto, sextante, têxtil; capazmente, infelizmente, velozmente. De acordo com esta distinção convém notar dois casos:
a)Em final de sílaba que não seja final de palavra, o x = s muda para s sempre que está precedido de i ou u: justapor, justalinear, misto, sistino (cf. Capela Sistina), Sisto, em vez de juxtapor, juxtalinear, mixto, sixtina, Sixto.
b)Só nos advérbios em -mente se admite z, com valor idêntico ao de s, em final de sílaba seguida de outra consoante (cf. capazmente, etc.); de contrário, o s toma sempre o lugar de z: Biscaia, e não Bizcaia.
5º)Distinção gráfica entre s final de palavra e x e z com idêntico valor fónico/fônico: aguarrás, aliás, anis, após atrás, através, Avis, Brás, Dinis, Garcês, gás, Gerês, Inês, íris, Jesus, jus, lápis, Luís, país, português, Queirós, quis, retrós, revés, Tomás, Valdés; cálix, Félix, Fénix, flux; assaz, arroz, avestruz, dez, diz, fez (substantivo e forma do verbo fazer), fiz, Forjaz, Galaaz, giz, jaez, matiz, petiz, Queluz, Romariz, [Arcos de] Valdevez, Vaz. A propósito, deve observar-se que é inadmissível z final equivalente a s em palavra não oxítona: Cádis, e não Cádiz.
6º)Distinção gráfica entre as letras interiores s, x e z, que representam sibilantes sonoras: aceso, analisar, anestesia, artesão, asa, asilo, Baltasar, besouro, besuntar, blusa, brasa, brasão, Brasil, brisa, [Marco de] Canaveses, coliseu, defesa, duquesa, Elisa, empresa, Ermesinde, Esposende, frenesi ou frenesim, frisar, guisa, improviso, jusante, liso, lousa, Lousã, Luso (nome de lugar, homónimo/homônimo de Luso, nome mitológico), Matosinhos, Meneses, narciso, Nisa, obséquio, ousar, pesquisa, portuguesa, presa, raso, represa, Resende, sacerdotisa, Sesimbra, Sousa, surpresa, tisana, transe, trânsito, vaso; exalar, exemplo, exibir, exorbitar, exuberante, inexato, inexorável; abalizado, alfazema, Arcozelo, autorizar, azar, azedo, azo, azorrague, baliza, bazar, beleza, buzina, búzio, comezinho, deslizar, deslize, Ezequiel, fuzileiro, Galiza, guizo, helenizar, lambuzar, lezíria, Mouzinho, proeza, sazão, urze, vazar, Veneza, Vizela, Vouzela.
Base IVDas seqüências consonânticas
1º)O c, com valor de oclusiva velar, das seqüências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das seqüências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam.
Assim:
a)Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua: compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto.
b)Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo.
c)Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção.
d)Quando, nas seqüências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se, respectivamente nc, nç e nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e assunção; assumptível e assuntível; peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade.
2º)Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b da seqüência bd, em súbdito; o b da seqüência bt, em subtil e seus derivados; o g da seqüência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da seqüência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente, omnisciente, etc.; o t, da seqüência tm, em aritmética e aritmético.
Base VDas vogais átonas
1º)O emprego do e e do i, assim como o do o e do u, em sílaba átona, regula-se fundamentalmente pela etimologia e por particularidades da história das palavras. Assim se estabelecem variadíssimas grafias:
a)Com e e i: ameaça, amealhar, antecipar, arrepiar, balnear, boreal, campeão, cardeal (prelado, ave planta; diferente de cardial = "relativo à cárdia"), Ceará, côdea, enseada, enteado, Floreal, janeanes, lêndea, Leonardo, Leonel, Leonor, Leopoldo, Leote, linear, meão, melhor, nomear, peanha, quase (em vez de quási), real, semear, semelhante, várzea; ameixial, Ameixieira, amial, amieiro, arrieiro, artilharia, capitânia, cordial (adjetivo e substantivo), corriola, crânio, criar, diante, diminuir, Dinis, ferregial, Filinto, Filipe (e identicamente Filipa, Filipinas, etc.), freixial, giesta, Idanha, igual, imiscuir-se, inigualável, lampião, limiar, Lumiar, lumieiro, pátio, pior, tigela, tijolo, Vimieiro, Vimioso;
b)Com o e u: abolir, Alpendorada, assolar, borboleta, cobiça, consoada, consoar, costume, díscolo, êmbolo, engolir, epístola, esbaforir-se, esboroar, farândola, femoral, Freixoeira, girândola, goela, jocoso, mágoa, névoa, nódoa, óbolo, Páscoa, Pascoal, Pascoela, polir, Rodolfo, távoa, tavoada, távola, tômbola, veio (substantivo e forma do verbo vir); açular, água, aluvião, arcuense, assumir, bulir, camândulas, curtir, curtume, embutir, entupir, fémur/fêmur, fístula, glândula, ínsua, jucundo, légua, Luanda, lucubração, lugar, mangual, Manuel, míngua, Nicarágua, pontual, régua, tábua, tabuada, tabuleta, trégua, virtualha.
2º)Sendo muito variadas as condições etimológicas e histórico-fonéticas em que se fixam graficamente e e i ou o e u em sílaba átona, é evidente que só a consulta dos vocabulários ou dicionários pode indicar, muitas vezes, se deve empregar-se e ou i, se o ou u. Há, todavia, alguns casos em que o uso dessas vogais pode ser facilmente sistematizado. Convém fixar os seguintes:
a)Escrevem-se com e, e não com i, antes da sílaba tónica/tônica, os substantivos e adjetivos que procedem de substantivos terminados em - eio e - eia, ou com eles estão em relação direta. Assim se regulam: aldeão, aldeola, aldeota por aldeia; areal, areeiro, areento, Areosa por areia; aveal por aveia; baleal por baleia; cadeado por cadeia; candeeiro por candeia; centeeira e centeeiro por centeio; colmeal e colmeeiro por colmeia; correada e correame por correia.
b)Escrevem-se igualmente com e, antes de vogal ou ditongo da sílaba tónica/tônica, os derivados de palavras que terminam em e acentuado (o qual pode representar um antigo hiato: ea, ee): galeão, galeota, galeote, de galé; coreano, de Coreia; daomeano, de Daomé; guineense, de Guiné; poleame e poleeiro, de polé.
c)Escrevem-se com i, e não com e, antes da sílaba tónica/tônica, os adjetivos e substantivos derivados em que entram os sufixos mistos de formação vernácula - iano e -iense, os quais são o resultado da combinação dos sufixos -ano e -ense com um i de origem analógica (baseado em palavras onde -ano e -ense estão precedidos de i pertencente ao tema: horaciano, italiano, duriense, flaviense, etc.): açoriano, acriano (de Acre), camoniano, goisiano (relativo a Damião de Góis), siniense (de Sines), sofocliano, torriano, torriense (de Torre(s)).
d)Uniformizam-se com as terminações -io e -ia (átonas), em vez de -eo e -ea, os substantivos que constituem variações, obtidas por ampliação, de outros substantivos terminados em vogal: cúmio (popular), de cume; hástia, de haste; réstia, do antigo reste; véstia, de veste.
e)Os verbos em -ear podem distinguir-se praticamente, grande número de vezes, dos verbos em -iar, quer pela formação, quer pela conjugação e formação ao mesmo tempo. Estão no primeiro caso todos os verbos que se prendem a substantivos em -eio ou -eia (sejam formados em português ou venham já do latim); assim se regulam: aldear, por aldeia; alhear, alheio; cear, por ceia; encadear, por cadeia; pear, por peia; etc. Estão no segundo caso todos os verbos que têm normalmente flexões rizotónicas/rizotônicas em -eio, -eias, etc.: clarear, delinear, devanear, falsear, granjear, guerrear, hastear, nomear, semear, etc. Existem, no entanto, verbos em -iar, ligados a substantivos com as terminações átonas -ia ou -io, que admitem variantes na conjugação: negoceio ou negocio (cf. negócio); premeio ou premio (cf. prémio/prêmio); etc.
f)Não é lícito o emprego do u final átono em palavras de origem latina. Escreve-se, por isso: moto, em vez de mótu (por exemplo, na expressão de moto próprio); tribo, em vez de tríbu.
g)Os verbos em -oar distinguem-se praticamente dos verbos em -uar pela sua conjugação nas formas rizotónicas/rizotônicas, que têm sempre o na sílaba acentuada: abençoar com o, como abençoo, abençoas, etc.; destoar, com o, como destoo, destoas, etc.: mas acentuar, com u, como acentuo, acentuas, etc.
Base VIDas vogais nasais
Na representação das vogais nasais devem observar-se os seguintes preceitos:
1º)Quando uma vogal nasal ocorre em fim de palavra, ou em fim de elemento seguido de hífen, representa-se a nasalidade pelo til, se essa vogal é de timbre a; por m, se possui qualquer outro timbre e termina a palavra; e por n, se é de timbre diverso de a e está seguida de s: afã, grã, Grã-Bretanha, lã, órfã, sã-braseiro (forma dialetal; o mesmo que são-brasense = de S. Brás de Alportel); clarim, tom, vacum; flautins, semitons, zunzuns.
2º)Os vocábulos terminados em -ã transmitem esta representação do a nasal aos advérbios em -mente que deles se formem, assim como a derivados em que entrem sufixos iniciados por z: cristãmente, irmãmente, sãmente; lãzudo, maçãzita, manhãzinha, romãzeira.
Base VIIDos ditongos
1º)Os ditongos orais, que tanto podem ser tónicos/tônicos como átonos, distribuem-se por dois grupos gráficos principais, conforme o segundo elemento do ditongo é representado por i ou u: ai, ei, éi, ui; au, eu, éu, iu, ou: braçais, caixote, deveis, eirado, farnéis (mas farneizinhos), goivo, goivar, lençóis (mas lençoizinhos), tafuis, uivar, cacau, cacaueiro, deu, endeusar, ilhéu (mas ilheuzito), mediu, passou, regougar.
Obs: Admitem-se, todavia, excepcionalmente, à parte destes dois grupos, os ditongos grafados ae(= âi ou ai) e ao (= âu ou au): o primeiro, representado nos antropónimos/antropônimos Caetano e Caetana, assim como nos respectivos derivados e compostos (caetaninha, são-caetano, etc.); o segundo, representado nas combinações da preposição a com as formas masculinas do artigo ou pronome demonstrativo o, ou seja, ao e aos.
2º)Cumpre fixar, a propósito dos ditongos orais, os seguintes preceitos particulares:
a)É o ditongo grafado ui, e não a seqüência vocálica grafada ue, que se emprega nas formas de 2ª e 3ª pessoas do singular do presente do indicativo e igualmente na da 2ª pessoa do singular do imperativo dos verbos em - uir: constituis, influi, retribui. Harmonizam-se, portanto, essas formas com todos os casos de ditongo grafado ui de sílaba final ou fim de palavra (azuis, fui, Guardafui, Rui, etc.); e ficam assim em paralelo gráfico-fonético com as formas de 2ª e 3ª pessoas do singular do presente do indicativo e de 2ª pessoa do singular do imperativo dos verbos em - air e em - oer: atrais, cai, sai; móis, remói, sói.
b)É o ditongo grafado ui que representa sempre, em palavras de origem latina, a união de um u a um i átono seguinte. Não divergem, portanto, formas como fluido de formas como gratuito. E isso não impede que nos derivados de formas daquele tipo as vogais grafadas u e i se separem: fluídico, fluidez (u-i).
c)Além, dos ditongos orais propriamente ditos, os quais são todos decrescentes, admite-se, como é sabido, a existência de ditongos crescentes. Podem considerar-se no número deles as seqüências vocálicas pós-tónicas/pós-tônicas, tais as que se representam graficamente por ea, eo, ia, ie, io, oa, ua, ue, uo: áurea, áureo, calúnia, espécie, exímio, mágoa, míngua, ténue/tênue, tríduo.
3º)Os ditongos nasais, que na sua maioria tanto podem ser tónicos/tônicos como átonos, pertencem graficamente a dois tipos fundamentais: ditongos representados por vogal com til e semivogal; ditongos representados por uma vogal seguida da consoante nasal m. Eis a indicação de uns e outros:
a)Os ditongos representados por vogal com til e semivogal são quatro, considerando-se apenas a língua padrão contemporânea: ãe (usado em vocábulos oxítonos e derivados), ãi (usado em vocábulos anoxítonos e derivados), ão e õe. Exemplos: cães, Guimarães, mãe, mãezinha; cãibas, cãibeiro, cãibra, zãibo; mão, mãozinha, não, quão, sótão, sotãozinho, tão; Camões, orações, oraçõezinhas, põe, repões. Ao lado de tais ditongos pode, por exemplo, colocar-se o ditongo ?i; mas este, embora se exemplifique numa forma popular como r?i = ruim, representa-se sem o til nas formas muito e mui, por obediência à tradição.
b)Os ditongos representados por uma vogal seguida da consoante nasal m são dois: am e em. Divergem, porém, nos seus empregos:
i)am (sempre átono) só se emprega em flexões verbais: amam, deviam, escreveram, puseram;
ii)em (tónico/tônico ou átono) emprega-se em palavras de categorias morfológicas diversas, incluindo flexões verbais, e pode apresentar variantes gráficas determinadas pela posição, pela acentuação ou, simultaneamente, pela posição e pela acentuação: bem, Bembom, Bemposta, cem, devem, nem, quem, sem, tem, virgem; Bencanta, Benfeito, Benfica, benquisto, bens, enfim, enquanto, homenzarrão, homenzinho, nuvenzinha, tens, virgens, amém (variação de ámen), armazém, convém, mantém, ninguém, porém, Santarém, também; convêm, mantêm, têm (3ªs pessoas do plural); armazéns, desdéns, convéns, reténs; Belenzada, vintenzinho.
Base VIIIDa acentuação gráfica das palavras oxítonas
1º)Acentuam-se com acento agudo:
a)As palavras oxítonas terminadas nas vogais tónicas/tônicas abertas grafadas -a, -e ou -o, seguidas ou não de -s: está, estás, já, olá; até, é, és, olé, pontapé(s); avó(s), dominó(s), paletó(s), só(s).
Obs.: Em algumas (poucas) palavras oxítonas terminadas em -e tónico/tônico, geralmente provenientes do francês, esta vogal, por ser articulada nas pronúncias cultas ora como aberta ora como fechada, admite tanto o acento agudo como o acento circunflexo: bebé ou bebê; bidé ou bidê, canapé ou canapê, caraté ou caratê, croché ou crochê, guiché ou guichê, matiné ou matinê, nené ou nenê, ponjé ou ponjê, puré ou purê, rapé ou rapê.O mesmo se verifica com formas como cocó e cocô, ró (letra do alfabeto grego) e rô. São igualmente admitidas formas como judô, a par de judo, e metrô, a par de metro.
b)As formas verbais oxítonas, quando, conjugadas com os pronomes clíticos lo(s) ou la(s), ficam a terminar na vogal tónica/tônica aberta grafada -a, após a assimilação e perda das consoantes finais grafadas -r, -s ou -z: adorá-lo(s) (de adorar-lo(s)), dá-la(s) (de dar-la(s) ou dá(s)-la(s)), fá-lo(s) (de faz-lo(s)), fá-lo(s)-ás (de far-lo(s)-ás), habitá-la(s)-iam (de habitar-la(s)-iam), trá-la(s)-á (de trar-la(s)-á);
c)As palavras oxítonas com mais de uma sílaba terminadas no ditongo nasal grafado -em (exceto as formas da 3ª pessoa do plural do presente do indicativo dos compostos de ter e vir: retêm, sustêm; advêm, provêm; etc) ou -ens: acém, detém, deténs, entretém, entreténs, harém, haréns, porém, provém, provéns, também;
d)As palavras oxítonas com os ditongos abertos grafados -éi, -éu ou -ói, podendo estes dois últimos ser seguidos ou não de -s: anéis, batéis, fiéis, papéis; céu(s), chapéu(s), ilhéu(s), véu(s); corrói (de corroer), herói(s), remói (de remoer), sóis.
2º)Acentuam-se com acento circunflexo:
a)As palavras oxítonas terminadas nas vogais tónicas/tônicas fechadas que se grafam -e ou -o, seguidas ou não de -s: cortês, dê, dês (de dar), lê, lês (de ler), português, você(s); avô(s), pôs (de pôr), robô(s).
b)As formas verbais oxítonas, quando, conjugadas com os pronomes clíticos -lo(s) ou -la(s), ficam a terminar nas vogais tónicas/tônicas fechadas que se grafam -e ou -o, após a assimilação e perda das consoantes finais grafadas -r, -s ou -z: detê-lo(s) (de deter-lo(s)), fazê-la(s) (de fazer-la(s)), fê-lo(s) (de fez-lo(s)), vê-la(s) (de ver-la(s)), compô-la(s) (de compor-la(s)), repô-la(s) (de repor-la(s)), pô-la(s) (de por-la(s) ou pôs-la(s)).
3º)Prescinde-se de acento gráfico para distinguir palavras oxítonas homógrafas, mas heterofónicas/heterofônicas, do tipo de cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de cor; colher (ê), verbo, e colher (é), substantivo. Excetua-se a forma verbal pôr, para a distinguir da preposição por.
Base IXDa acentuação gráfica das palavras paroxítonas
1º)As palavras paroxítona não são em geral acentuadas graficamente: enjoo, grave, homem, mesa, Tejo, vejo, velho, voo; avanço, floresta; abençoo, angolano, brasileiro; descobrimento, graficamente, moçambicano.
2º)Recebem, no entanto, acento agudo:
a)As palavras paroxítonas que apresentam, na sílaba tónica/tônica, as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em -l, -n, -r, -x e -ps, assim como, salvo raras exceções, as respectivas formas do plural, algumas das quais passam a proparoxítonas: amável (pl. amáveis), Aníbal, dócil (pl. dóceis), dúctil (pl. dúcteis), fóssil (pl. fósseis), réptil (pl. réptéis; var. reptil, pl. reptis); cármen (pl. cármenes ou carmens; var. carme, pl. carmes); dólmen (pl. dólmenes ou dolmens), éden (pl. édenes ou edens), líquen (pl. líquenes), lúmen (pl. lúmenes ou lumens); açúcar (pl. açúcares), almíscar (pl. almíscares), cadáver (pl. cadáveres), caráter ou carácter (mas pl. carateres ou caracteres), ímpar (pl. ímpares); Ájax, córtex (pl. córtex; var. córtice, pl. córtices), índex (pl. index; var. índice, pl. índices), tórax, (pl. tórax ou tóraxes; var. torace, pl. toraces); bíceps (pl. bíceps; var. bicípite, pl. bicípites), fórceps (pl. fórceps; var. fórcipe, pl. fórcipes).
Obs.: Muito poucas palavras deste tipo, com as vogais tónicas/tônicas grafadas e e o em fim de sílaba, seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua e, por conseguinte, também de acento gráfico (agudo ou circunflexo): sémen e sêmen, xénon e xênon; fémur e fêmur, vómer e vômer; Fénix e Fênix, ónix e ônix.
b)As palavras paroxítonas que apresentam, na sílaba tónica/tônica, as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em -ã(s), -ão(s), -ei(s), -i(s), -um, -uns ou -us: órfã (pl. órfãs), acórdão (pl. acórdãos), órfão (pl. órfãos), órgão (pl. órgãos), sótão (pl. sótãos); hóquei, jóquei (pl. jóqueis), amáveis (pl. de amável), fáceis (pl. de fácil), fósseis (pl. de fóssil), amáreis (de amar), amáveis (id.), cantaríeis (de cantar), fizéreis (de fazer), fizésseis (id.); beribéri (pl. beribéris), bílis (sg. e pl.), íris (sg. e pl.), júri (pl. júris), oásis (sg. e pl.); álbum (pl. álbuns), fórum (pl. fóruns); húmus (sg. e pl.), vírus (sg. e pl.).
Obs.: Muito poucas paroxítonas deste tipo, com as vogais tónicas/tônicas grafadas e e o em fim de sílaba, seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua, o qual é assinalado com acento agudo, se aberto, ou circunflexo, se fechado: pónei e pônei; gónis e gônis, pénis e pênis, ténis e tênis; bónus e bônus, ónus e ônus, tónus e tônus, Vénus e Vênus.
3º)Não se acentuam graficamente os ditongos representados por ei e oi da sílaba tónica/tônica das palavras paroxítonas, dado que existe oscilação em muitos casos entre o fechamento e a abertura na sua articulação: assembleia, boleia, ideia, tal como aldeia, baleia, cadeia, cheia, meia; coreico, epopeico, onomatopeico, proteico; alcaloide, apoio (do verbo apoiar), tal como apoio (subst.), Azoia, boia, boina, comboio (subst.), tal como comboio, comboias, etc. (do verbo comboiar), dezoito, estroina, heroico, introito, jiboia, moina, paranoico, zoina.
4º)É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tónica/tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português.
5º)Recebem acento circunflexo:
a)As palavras paroxítonas que contêm, na sílaba tónica/tônica, as vogais fechadas com a grafia a, e, o e que terminam em -l, -n, -r ou -x, assim como as respectivas formas do plural, algumas das quais se tornam proparoxítonas: cônsul (pl. cônsules), pênsil (pênseis), têxtil (pl. têxteis); cânon, var. cânone, (pl. cânones), plâncton (pl. plânctons); Almodôvar, aljôfar (pl. aljôfares), âmbar (pl. âmbares), Câncer, Tânger; bômbax (sg. e pl.), bômbix, var. bômbice, (pl. bômbices).
b)As palavras paroxítonas que contêm, na sílaba tónica/tônica, as vogais fechadas com a grafia a, e, o e que terminam em -ão(s), -eis, -i(s) ou -us: bênção(s), côvão(s), Estêvão, zângão(s); devêreis (de dever), escrevêsseis (de escrever), fôreis (de ser e ir), fôsseis (id.), pênseis (pl. de pênsil), têxteis (pl. de têxtil); dândi(s), Mênfis; ânus.
c)As formas verbais têm e vêm, 3ªs pessoas do plural do presente do indicativo de ter e vir, que são foneticamente paroxítonas (respectivamente /tãjãj/, /vãjãj/ ou /t??j/, /v??j/ ou ainda /t?j?j/, /v?j?j/; cf. as antigas grafias preteridas, t?em, v?em), a fim de se distinguirem de tem e vem, 3ªs pessoas do singular do presente do indicativo ou 2ªs pessoas do singular do imperativo; e também as correspondentes formas compostas, tais como: abstêm (cf. abstém), advêm (cf. advém), contêm (cf. contém), convêm (cf. convém), desconvêm (cf. desconvém), detêm (cf. detém), entretêm (cf. entretém), intervêm (cf. intervém), mantêm (cf. mantém), obtêm (cf. obtém), provêm (cf. provém), sobrevêm (cf. sobrevém).
Obs.: Também neste caso são preteridas as antigas grafias det?em, interv?em, mant?em, prov?em, etc.
6º)Assinalam-se com acento circunflexo:
a)Obrigatoriamente, pôde (3ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo), que se distingue da correspondente forma do presente do indicativo (pode).
b)Facultativamente, dêmos (1ª pessoa do plural do presente do conjuntivo), para se distinguir da correspondente forma do pretérito perfeito do indicativo (demos); fôrma (substantivo), distinta de forma (substantivo; 3ª pessoa do singular do presente do indicativo ou 2ª pessoa do singular do imperativo do verbo formar).
7º)Prescinde-se de acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas que contêm um e tónico/tônico oral fechado em hiato com a terminação -em da 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, conforme os casos: creem, deem (conj.), descreem, desdeem (conj.), leem, preveem, redeem (conj.), releem, reveem, tresleem, veem.
8º)Prescinde-se igualmente do acento circunflexo para assinalar a vogal tónica/tônica fechada com a grafia o em palavras paroxítonas como enjoo, substantivo e flexão de enjoar, povoo, flexão de povoar, voo, substantivo e flexão de voar, etc.
9º)Prescinde-se, quer do acento agudo, quer do circunflexo, para distinguir palavras paroxítonas que, tendo respectivamente vogal tónica/tônica aberta ou fechada, são homógrafas de palavras proclíticas. Assim, deixam de se distinguir pelo acento gráfico: para (á), flexão de parar, e para, preposição; pela(s) (é), substantivo e flexão de pelar, e pela(s), combinação de per e la(s); pelo (é), flexão de pelar, pelo(s) (ê), substantivo ou combinação de per e lo(s); polo(s) (ó), substantivo, e polo(s), combinação antiga e popular de por e lo(s); etc.
10º)Prescinde-se igualmente de acento gráfico para distinguir paroxítonas homógrafas heterofónicas/heterofônicas do tipo de acerto (ê), substantivo e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cerca (ê), substantivo, advérbio e elemento da locução prepositiva cerca de, e cerca (é), flexão de cercar; coro (ô), substantivo, e coro (ó), flexão de corar; deste (ê), contracção da preposição de com o demonstrativo este, e deste (é), flexão de dar; fora (ô), flexão de ser e ir, e fora (ó), advérbio, interjeição e substantivo; piloto (ô), substantivo, e piloto (ó), flexão de pilotar, etc.
Base XDa acentuação das vogais tónicas/tônicas grafadas i e u das palavras oxítonas e paroxítonas
1º)As vogais tóncias/tônicas grafadas i e u das palavras oxítonas e paroxítonas levam acento agudo quando antecedidas de uma vogal com que não formam ditongo e desde de que não constituam sílaba com a eventual consoante seguinte, excetuando o caso de s: adaís (pl. de adail), aí, atraí (de atrair), baú, caís (de cair), Esaú, jacuí, Luís, país, etc.; alaúde, amiúde, Araújo, Ataíde, atraíam (de atrair), atraísse (id.), baía, balaústre, cafeína, ciúme, egoísmo, faísca, faúlha, graúdo, influíste (de influir), juízes, Luísa, miúdo, paraíso, raízes, recaída, ruína, saída, sanduíche, etc.
2º)As vogais tónicas/tônicas grafadas i e u das palavras oxítonas e paroxítonas não levam acento agudo quando, antecedidas de vogal com que não formam ditongo, constituem sílaba com a consoante seguinte, como é o caso de nh, l, m, n, r e z: bainha, moinho, rainha; adail, paul, Raul; Aboim, Coimbra, ruim; ainda, constituinte, oriundo, ruins, triunfo; at-rairn. demiuñrgo, influir, influirmos; juiz, raiz; etc.
3º)Em conformidade com as regras anteriores leva acento agudo a vogal tónica/tônica grafada i das formas oxítonas terminadas em r dos verbos em -air e -uir, quando estas se combinam com as formas pronominais clíticas -lo(s), -la(s), que levam à assimilação e perda daquele -r: atraí-lo(s) (de atrair-lo(s)); atraí-lo(s)-ia (de atrair-lo(s)-ia); possuí-la(s) (de possuir-la(s)); possuí-la(s)-ia (de possuir-la(s)-ia).
4º)Prescinde-se do acento agudo nas vogais tónicas/tônicas grafadas i e u das palavras paroxítonas, quando elas estão precedidas de ditongo: baiuca, boiuno, cauila (var. cauira), cheiinho (de cheio), saiinha (de saia).
5º)Levam, porém, acento agudo as vogais tónicas/tônicas grafadas i e u quando, precedidas de ditongo, pertencem as palavras oxítonas e estão em posição final ou seguidas de s: Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús.
Obs.: Se, neste caso, a consoante final for diferente de s, tais vogais dispensam o acento agudo: cauim.
6º)Prescinde-se do acento agudo nos ditongos tónicos/tônicos grafados iu e ui, quando precedidos de vogal: distraiu, instruiu, pauis (pl. de paul).
7º)Os verbos arguir e redarguir prescindem do acento agudo na vogal tónica/tônica grafada u nas formas rizotónicas/rizotônicas: arguo, arguis, argui, arguem, argua, arguas, argua, arguam. Os verbos do tipo de aguar, apaniguar, apaziguar, apropinquar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins, por oferecerem dois paradigmas, ou têm as formas rizotónicas/rizotônicas igualmente acentuadas no u mas sem marca gráfica (a exemplo de averiguo, averiguas, averigua, averiguam; averigue, averigues, averigue, averiguem; enxaguo, enxaguas, enxagua, enxaguam; enxague, enxagues, enxague, enxaguem, etc.; delinquo, delinquis, delinqui, delinquem; mas delinquimos, delinquís) ou têm as formas rizotónicas/rizotônicas acentuadas fónica/fônica e graficamente nas vogais a ou i radicais (a exemplo de averíguo, averíguas, averígua, averíguam; averígue, averígues, averígue, averíguem; enxáguo, enxáguas, enxágua, enxáguaim; enxágue, enxágues, enxágue, enxáguem; delínquo, delínques; delínque, delínquem; delínqua, delínquas, delínqua, delinquám).
Obs.: Em conexão com os casos acima referidos, registre-se que os verbos em -ingir (atingir, cingir, constringir, infringir, tingir, etc.) e os verbos em -inguir sem prolação do u (distinguir, extinguir, etc.) têm grafias absolutamente regulares (atinjo, atinja, atinge, atingimos, etc; distingo, distinga, distingue, distinguimos, etc.)
Base XIDa acentuação gráfica das palavras proparoxítonas
1º) Levam acento agudo:
a)As palavras proparoxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i, u ou ditongo oral começado por vogal aberta: árabe, cáustico, Cleópatra, esquálido, exército, hidráulico, líquido, míope, músico, plástico, prosélito, público, rústico, tétrico, último;
b)As chamadas proparoxítonas aparentes, isto é, que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i, u ou ditongo oral começado por vogal aberta, e que terminam por seqüências vocálicas pós-tónicas/pós-tônicas praticamente consideradas como ditongos crescentes (-ea, -eo, -ia, -ie, -io, -oa, -ua, -uo, etc.): álea, náusea; etéreo, níveo; enciclopédia, glória; barbárie, série; lírio, prélio; mágoa, nódoa; exígua, língua; exíguo, vácuo.
2º)Levam acento circunflexo:
a)As palavras proparoxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica vogal fechada ou ditongo com a vogal básica fechada: anacreôntico, brêtema, cânfora, cômputo, devêramos (de dever), dinâmico, êmbolo, excêntrico, fôssemos (de ser e ir), Grândola, hermenêutica, lâmpada, lôstrego, lôbrego, nêspera, plêiade, sôfrego, sonâmbulo, trôpego;
b)As chamadas proparoxítonas aparentes, isto é, que apresentam vogais fechadas na sílaba tónica/tônica, e terminam por seqüências vocálicas pós-tónicas/pós-tônicas praticamente consideradas como ditongos crescentes: amêndoa, argênteo, côdea, Islândia, Mântua, serôdio.
3º)Levam acento agudo ou acento circunflexo as palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cujas vogais tónicas/tônicas grafadas e ou o estão em final de sílaba e são seguidas das consoantes nasais grafadas m ou n, conforme o seu timbre é, respectivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua: académico/acadêmico, anatómico/anatômico, cénico/cênico, cómodo/cômodo, fenómeno/fenômeno, género/gênero, topónimo/topônimo; Amazónia/Amazônia, António/Antônio, blasfémia/blasfêmia, fémea/fêmea, gémeo/gêmeo, génio/gênio, ténue/tênue.
Base XIIDo emprego do acento grave
1º)Emprega-se o acento grave:
a)Na contração da preposição a com as formas femininas do artigo ou pronome demonstrativo o: à (de a + a), às (de a + as);
b)Na contração da preposição a com os demonstrativos aquele, aquela, aqueles, aquelas e aquilo ou ainda da mesma preposição com os compostos aqueloutro e suas flexões: àquele(s), àquela(s), àquilo; àqueloutro(s), àqueloutra(s);
Base XIIIDa supressão dos acentos em palavras derivadas
1º)Nos advérbios em -mente, derivados de adjetivos com acento agudo ou circunflexo, estes são suprimidos: avidamente (de ávido), debilmente (de débil), facilmente (de fácil), habilmente (de hábil), ingenuamente (de ingênuo), lucidamente (de lúcido), mamente (de má), somente (de só), unicamente (de único), etc.; candidamente (de cândido), cortesmente (de cortês), dinamicamente (de dinâmico), espontaneamente (de espontâneo), portuguesmente (de português), romanticamente (de romântico).
2º)Nas palavras derivadas que contêm sufixos iniciados por z e cujas formas de base apresentam vogas tónica/tônica com acento agudo ou circunflexo, estes são suprimidos: aneizinhos (de anéis), avozinha (de avó), bebezito (de bebê), cafezada (de café), chapeuzinho (de chapéu), chazeiro (de chá), heroizito (de herói), ilheuzito (de ilhéu), mazinha (de má), orfãozinho (de órfão), vintenzito (de vintém), etc.; avozinho (de avô), bençãozinha (de bênção), lampadazita (de lâmpada), pessegozito (de pêssego).
Base XIVDo trema
O trema, sinal de diérese, é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas. Nem sequer se emprega na poesia, mesmo que haja separação de duas vogais que normalmente formam ditongo: saudade, e não saüdade, ainda que tetrassílabo; saudar, e não saüdar, ainda que trissílabo; etc.
Em virtude desta supressão, abstrai-se de sinal especial, quer para distinguir, em sílaba átona, um i ou um u de uma vogal da sílaba anterior, quer para distinguir, também em sílaba átona, um i ou um u de um ditongo precedente, quer para distinguir, em sílaba tónica/tônica ou átona, o u de gu ou de qu de um e ou i seguintes: arruinar, constituiria, depoimento, esmiuçar, faiscar, faulhar, oleicultura, paraibano, reunião; abaiucado, auiqui, caiuá, cauixi, piauiense; aguentar, anguiforme, arguir, bilíngue (ou bilingue), lingueta, linguista, linguístico; cinquenta, equestre, frequentar, tranquilo, ubiquidade.
Obs.: Conserva-se, no entanto, o trema, de acordo com a Base I, 3º, em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: hübneriano, de Hübner, mülleriano, de Müller, etc.
Base XVDo hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares
1º)Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva.
Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.
2º)Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos, iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Velha, Baía de Todos-os-Santos, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes.
Obs.: Os outros topónimos/topônimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Belo Horizonte, Cabo Verde, Castelo Branco, Freixo de Espada à Cinta, etc. O topónimo/topônimo Guiné-Bissau é, contudo, uma exceção consagrada pelo uso.
3º)Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; benção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inácio; bem-me-quer (nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d'água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro).
4º)Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário do mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (cf. malcriado), bem-ditoso (cf. malditoso), bem-falante (cf. malfalante), bem-mandado (cf. malmandado), bem-nascido (cf. malnascido), bem-soante (cf. malsoante), bem-visto (cf. malvisto).
Obs.: Em muitos compostos, o advérbio bem aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença, etc.
5º)Emprega-se o hífen nos compostos com os elementos além, aquém, recém e sem: além-Atlântico, além-mar, além-fronteiras; aquém-mar, aquém-Pirenéus; recém-casado, recém-nascido; sem-cerimônia, sem-número, sem-vergonha.
6º)Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa). Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções:
a)Substantivas: cão de guarda, fim de semana, sala de jantar;
b)Adjetivas: cor de açafrão, cor de café com leite, cor de vinho;
c)Pronominais: cada um, ele próprio, nós mesmos, quem quer que seja;
d)Adverbiais: à parte (note-se o substantivo aparte), à vontade, de mais (locução que se contrapõe a de menos; note-se demais, advérbio, conjunção, etc.), depois de amanhã, em cima, por isso;
e)Prepositivas: abaixo de, acerca de, acima de, a fim de, a par de, à parte de, apesar de, aquando de, debaixo de, enquanto a, por baixo de, por cima de, quanto a;
f)Conjuncionais: a fim de que, ao passo que, contanto que, logo que, por conseguinte, visto que.
7º)Emprega-se o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando, não propriamente vocábulos, mas encadeamentos vocabulares (tipo: a divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade, a ponte Rio-Niterói, o percurso Lisboa-Coimbra-Porto, a ligação Angola-Moçambique), e bem assim nas combinações históricas ou ocasionais de topónimos/topônimos (tipo: Áustria-Hungria, Alsácia-Lorena, Angola-Brasil, Tóquio-Rio de Janeiro, etc.).
Base XVIDo hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação
1º)Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.) e em formações por recomposição, isto é, com elementos não autônomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como: aero-, agro-, arqui-, auto-, bio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-, maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-, tele-, etc.), só se emprega o hífen nos seguintes casos:
a)Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiénico/anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro, contra-harmónico/contra-harmônico, extra-humano, pré-história, sub-hepático, super-homem, ultra-hiperbólico; arqui-hipérbole, eletro-higrómetro, geo-história, neo-helénico/neo-helênico, pan-helenismo, semi-hospitalar.
Obs.: Não se usa, no entanto, o hífen em formações que contêm em geral os prefixos des- e in- e nas quais o segundo elemento perdeu o h inicial: desumano, desumidificar, inábil, inumano, etc.
b)Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal com que se inicia o segundo elemento: anti-ibérico, contra-almirante, infra-axilar, supra-auricular; arqui-irmandade, auto-observação, eletro-ótica, micro-onda, semi-interno.
Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.
c)Nas formações com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, m ou n (além de h, caso já considerado atrás na alínea a): circum-escolar, circum-murado, circum-navegação; pan-africano, pan-mágico, pan-negritude.
d)Nas formações com os prefixos hiper-, inter- e super-, quando combinados com elementos iniciados por r: hiper-requintado, inter-resistente, super-revista.
e)Nas formações com os prefixos ex- (com o sentido de estado anterior ou cessamento), sota-, soto-, vice- e vizo-: ex-almirante, ex-diretor, ex-hospedeira, ex-presidente, ex-primeiro-ministro, ex-rei; sota-piloto, soto-mestre, vice-presidente, vice-reitor, vizo-rei.
f)Nas formações com os prefixos tónicos/tônicos acentuados graficamente pós-, pré- e pró- quando o segundo elemento tem vida à parte (ao contrário do que acontece com as correspondentes formas átonas que se aglutinam com o elemento seguinte): pós-graduação, pós-tónico/pós-tônicos (mas pospor); pré-escolar, pré-natal (mas prever); pró-africano, pró-europeu (mas promover).
2º)Não se emprega, pois, o hífen:
a)Nas formações em que o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes duplicar-se, prática aliás já generalizada em palavras deste tipo pertencentes aos domínios científico e técnico. Assim: antirreligioso, antissemita, contrarregra, comtrassenha, cosseno, extrarregular, infrassom, minissaia, tal como biorritmo, biossatélite, eletrossiderurgia, microssistema, microrradiografia.
b)Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente, prática esta em geral já adotada também para os termos técnicos e científicos. Assim: antiaéreo, coeducação, extraescolar; aeroespacial, autoestrada, autoaprendizagem, agroindustrial, hidroelétrico, plurianual.
3º)Nas formações por sufixação apenas se emprega o hífen nos vocábulos terminados por sufixos de origem tupi-guarani que representam formas adjetivas, como açu, guaçu e mirim, quando o primeiro elemento acaba em vogal acentuada graficamente ou quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: amoré-guaçu, anajá-mirim, andá-açu, capim-açu, Ceará-Mirim.
Base XVIIDo hífen na ênclise, na tmese e com o verbo haver
1º)Emprega-se o hífen na ênclise e na tmese: amá-lo, dá-se, deixa-o, partir-lhe; amá-lo-ei, enviar-lhe-emos.
2º)Não se emprega o hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, hão de, etc.
Obs.: 1. Embora estejam consagradas pelo uso as formas verbais quer e requer, dos verbos querer e requerer, em vez de quere e requere, estas últimas formas conservam-se, no entanto, nos casos de ênclise: quere-o(s), requere-o(s). Nestes contextos, as formas (legítimas, aliás) qué-lo e requé-lo são pouco usadas.
2. Usa-se também o hífen nas ligações de formas pronominais enclíticas ao advérbio eis (eis-me, ei-lo) e ainda nas combinações de formas pronominais do tipo no-lo, vo-las, quando em próclise (por ex.: esperamos que no-lo comprem).
Base XVIIIDo apóstrofo
1º)São os seguintes os casos de emprego do apóstrofo:
a)Faz-se uso do apóstrofo para cindir graficamente uma contração ou aglutinação vocabular, quando um elemento ou fração respectiva pertence propriamente a um conjunto vocabular distinto: d' Os Lusíadas, d' Os Sertões; n' Os Lusíadas, n' Os Sertões; pel' Os Lusíadas, pel' Os Sertões. Nada obsta, contudo, a que estas escritas sejam substituídas por empregos de preposições íntegras, se o exigir razão especial de clareza, expressividade ou ênfase: de Os Lusíadas, em Os Lusíadas, por Os Lusíadas, etc.
As cisões indicadas são análogas às dissoluções gráficas que se fazem, embora sem emprego do apóstrofo, em combinações da preposição a com palavras pertencentes a conjuntos vocabulares imediatos: a A Relíquia, a Os Lusíadas (exemplos: importância atribuída a A Relíquia; recorro a Os Lusíadas). Em tais casos, como é óbvio, entende-se que a dissolução gráfica nunca impede na leitura a combinação fonética: a A = à, a Os = aos, etc.
b)Pode cindir-se por meio do apóstrofo uma contração ou aglutinação vocabular, quando um elemento ou fração respectiva é forma pronominal e se lhe quer dar realce com o uso de maiúscula: d'Ele, n'Ele, d'Aquele, n'Aquele, d'O, n'O, pel'O, m'O, t'O, lh'O, casos em que a segunda parte, forma masculina, é aplicável a Deus, a Jesus, etc.; d'Ela, n'Ela, d'Aquela, d'A, n'A, pel'A, m'A, t'A, lh'A, casos em que a segunda parte, forma feminina, é aplicável à mãe de Jesus, à Providência, etc. Exemplos frásicos: confiamos n'O que nos salvou; esse milagre revelou-m'O; está n'Ela a nossa esperança; pugnemos pel'A que é nossa padroeira.
À semelhança das cisões indicadas, pode dissolver-se graficamente, posto que sem uso do apóstrofo, uma combinação da preposição a com uma forma pronominal realçada pela maiúscula: a O, a Aquele, a Aquela (entendendo-se que a dissolução gráfica nunca impede na leitura a combinação fonética: a O = ao, a Aquela = àquela, etc.). Exemplos frásicos: a O que tudo pode; a Aquela que nos protege.
c)Emprega-se o apóstrofo nas ligações das formas santo e santa a nomes do hagiológio, quando importa representar a elisão das vogais finais o e a: Sant'Ana, Sant'Iago, etc. É, pois, correto escrever: Calçada de Sant'Ana, Rua de Sant'Ana; culto de Sant'Iago, Ordem de Sant'Iago. Mas, se as ligações deste gênero, como é o caso destas mesmas Sant'Ana e Sant'Iago, se tornam perfeitas unidades mórficas, aglutinam-se os dois elementos: Fulano de Santana, ilhéu de Santana, Santana de Parnaíba; Fulano de Santiago, ilha de Santiago, Santiago do Cacém.
Em paralelo com a grafia Sant'Ana e congêneres, emprega-se também o apóstrofo nas ligações de duas formas antroponímicas, quando é necessário indicar que na primeira se elide um o final: Nun'Álvares, Pedr'Eanes.
Note-se que nos casos referidos as escritas com apóstrofo, indicativas de elisão, não impedem, de modo algum, as escritas sem apóstrofo: Santa Ana, Nuno Álvares, Pedro Álvares, etc.
d)Emprega-se o apóstrofo para assinalar, no interior de certos compostos, a elisão do e da preposição de, em combinação com substantivos: borda-d'água, cobra-d'água, copo-d'água, estrela-d'alva, galinha-d'água, mãe-d'água, pau-d'água, pau-d'alho, pau-d'arco, pau-d'óleo.
2º)São os seguintes os casos em que não se usa o apóstrofo:
Não é admissível o uso do apóstrofo nas combinações das preposições de e em com as formas do artigo definido, com formas pronominais diversas e com formas adverbiais (excetuado o que se estabelece nas alíneas 1º) a) e 1º) b)). Tais combinações são representadas:
a)Por uma só forma vocabular, se constituem, de modo fixo, uniões perfeitas:
i) do, da, dos, das; dele, dela, deles, delas; deste, desta, destes, destas, disto; desse, dessa, desses, dessas, disso; daquele, daquela, daqueles, daquelas, daquilo; destoutro, destoutra, destoutros, destoutras; dessoutro, dessoutra, dessoutros, dessoutras; daqueloutro, daqueloutra, daqueloutros, daqueloutras; daqui; daí; dali; dacolá; donde; dantes (= antigamente);
ii) no, na, nos, nas; nele, nela, neles, nelas; neste, nesta, nestes, nestas, nisto; nesse, nessa, nesses, nessas, nisso; naquele, naquela, naqueles, naquelas, naquilo; nestoutro, nestoutra, nestoutros, nestoutras; nessoutro, nessoutra, nessoutros, nessoutras; naqueloutro, naqueloutra, naqueloutros, naqueloutras; num, numa, nuns, numas; noutro, noutra, noutros, noutras, noutrem; nalgum, nalguma, nalguns, nalgumas, nalguém.
b)Por uma ou duas formas vocabulares, se não constituem, de modo fixo, uniões perfeitas (apesar de serem correntes com esta feição em algumas pronúncias): de um, de uma, de uns, de umas, ou dum, duma, duns, dumas; de algum, de alguma, de alguns, de algumas, de alguém, de algo, de algures, de alhures, ou dalgum, dalguma, dalguns, dalgumas, dalguém, dalgo, dalgures, dalhures; de outro, de outra, de outros, de outras, de outrem, de outrora, ou doutro, doutra, doutros, doutras, doutrem, doutrora; de aquém ou daquém; de além ou dalém; de entre ou dentre.
De acordo com os exemplos deste último tipo, tanto se admite o uso da locução adverbial de ora avante como do advérbio que representa a contração dos seus três elementos: doravante.
Obs.: Quando a preposição de se combina com as formas articulares ou pronominais o, a, os, as, ou com quaisquer pronomes ou advérbios começados por vogal, mas acontece estarem essas palavras integradas em construções de infinitivo, não se emprega o apóstrofo, nem se funde a preposição com a forma imediata, escrevendo-se estas duas separadamente: a fim de ele compreender; apesar de o não ter visto; em virtude de os nossos pais serem bondosos; o fato de o conhecer; por causa de aqui estares.
Base XIXDas minúsculas e maiúsculas
1º)A letra minúscula inicial é usada:
a)Ordinariamente, em todos os vocábulos da língua nos usos correntes.
b)Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera.
c)Nos bibliónimos/bibliônimos (após o primeiro elemento, que é com maiúscula, os demais vocábulos, podem ser escritos com minúscula, salvo nos nomes próprios nele contidos, tudo em grifo): O Senhor do Paço de Ninães, O senhor do paço de Ninães, Menino de Engenho ou Menino de engenho, Árvore e Tambor ou Árvore e tambor.
d)Nos usos de fulano, sicrano, beltrano.
e)Nos pontos cardeais (mas não nas suas abreviaturas); norte, sul (mas: SW sudoeste).
f)Nos axiónimos/axiônimos e hagiónimos/hagiônimos (opcionalmente, neste caso, também com maiúscula): senhor doutor Joaquim da Silva, bacharel Mário Abrantes, o cardeal Bembo; santa Filomena (ou Santa Filomena).
g)Nos nomes que designam domínios do saber, cursos e disciplinas (opcionalmente, também com maiúscula): português (ou Português), matemática (ou Matemática); línguas e literaturas modernas (ou Línguas e Literaturas Modernas).
2º)A letra maiúscula inicial é usada:
a)Nos antropónimos/antropônimos, reais ou fictícios: Pedro Marques; Branca de Neve, D. Quixote.
b)Nos topónimos/topônimos, reais ou fictícios: Lisboa, Luanda, Maputo, Rio de Janeiro; Atlântida, Hespéria.
c)Nos nomes de seres antropomorfizados ou mitológicos: Adamastor; Neptuno / Netuno.
d)Nos nomes que designam instituições: Instituto de Pensões e Aposentadorias da Previdência Social.
e)Nos nomes de festas e festividades: Natal, Páscoa, Ramadão, Todos os Santos.
f)Nos títulos de periódicos, que retêm o itálico: O Primeiro de Janeiro, O Estado de São Paulo (ou S. Paulo).
g)Nos pontos cardeais ou equivalentes, quando empregados absolutamente: Nordeste, por nordeste do Brasil, Norte, por norte de Portugal, Meio-Dia, pelo sul da França ou de outros países, Ocidente, por ocidente europeu, Oriente, por oriente asiático.
h)Em siglas, símbolos ou abreviaturas internacionais ou nacionalmente reguladas com maiúsculas, iniciais ou mediais ou finais ou o todo em maiúsculas: FAO, NATO, ONU; H2O; Sr., V. Exa.
i)Opcionalmente, em palavras usadas reverencialmente, aulicamente ou hierarquicamente, em início de versos, em categorizações de logradouros públicos: (rua ou Rua da Liberdade, largo ou Largo dos Leões), de templos (igreja ou Igreja do Bonfim, templo ou Templo do Apostolado Positivista), de edifícios (palácio ou Palácio da Cultura, edifício ou Edifício Azevedo Cunha).
Obs.: As disposições sobre os usos das minúsculas e maiúsculas não obstam a que obras especializadas observem regras próprias, provindas de códigos ou normalizações específicas (terminologias antropológica, geológica, bibliológica, botânica, zoológica, etc.), promanadas de entidades científicas ou normalizadoras, reconhecidas internacionalmente.
Base XXDa divisão silábica
A divisão silábica, que em regra se faz pela soletração (a-ba-de, bru-ma, ca-cho, lha-no, ma-lha, ma-nha, má-xi-mo, ó-xi-do, ro-xo, tme-se), e na qual, por isso, se não tem de atender aos elementos constitutivos dos vocábulos segundo a etimologia (a-ba-li-e-nar, bi-sa-vô, de-sa-pa-re-cer, di-sú-ri-co, e-xâ-ni-me, hi-pe-ra-cú-sti-co, i-ná-bil, o-bo-val, su-bo-cu-lar, su-pe-rá-ci-do), obedece a vários preceitos particulares, que rigorosamente cumpre seguir, quando se tem de fazer em fim de linha, mediante o emprego do hífen, a partição de uma palavra:
1º)São indivisíveis no interior da palavra, tal como inicialmente, e formam, portanto, sílaba para a frente as sucessões de duas consoantes que constituem perfeitos grupos, ou sejam (com exceção apenas de vários compostos cujos prefixos terminam em b, ou d: ab- legação, ad- ligar, sub- lunar, etc., em vez de a- blegação, a- dligar, su- blunar, etc.) aquelas sucessões em que a primeira consoante é uma labial, uma velar, uma dental ou uma labiodental e a segunda um l ou um r: a- blução, cele- brar, du- plicação, re- primir, a- clamar, de- creto, de- glutição, re- grado; a- tlético, cáte- dra, períme- tro; a- fluir, a- fricano, ne- vrose.
2º)São divisíveis no interior da palavra as sucessões de duas consoantes que não constituem propriamente grupos e igualmente as sucessões de m ou n, com valor de nasalidade, e uma consoante: ab- dicar, Ed- gardo, op- tar, sub- por, ab- soluto, ad- jetivo, af- ta, bet- samita, íp- silon, ob- viar, des- cer, dis- ciplina, flores- cer, nas- cer, res- cisão; ac- ne, ad- mirável, Daf- ne, diafrag- ma, drac- ma, ét- nico, rit- mo, sub- meter, am- nésico, interam- nense; bir- reme, cor- roer, pror- rogar, as- segurar, bis- secular, sos- segar, bissex- to, contex- to, ex- citar, atroz- mente, capaz- mente, infeliz- mente; am- bição, desen- ganar, en- xame, man- chu, Mân- lio, etc.
3º)As sucessões de mais de duas consoantes ou de m ou n, com o valor de nasalidade, e duas ou mais consoantes são divisíveis por um de dois meios: se nelas entra um dos grupos que são indivisíveis (de acordo com o preceito 1º), esse grupo forma sílaba para diante, ficando a consoante ou consoantes que o precedem ligadas à sílaba anterior; se nelas não entra nenhum desses grupos, a divisão dá-se sempre antes da última consoante. Exemplos dos dois casos: cam- braia, ec- tlipse, em- blema, ex- plicar, in- cluir, ins- crição, subs- crever, trans- gredir, abs- tenção, disp- neia, inters- telar, lamb- dacismo, sols- ticial, Terp- sícore, tungs- tênio.
4º)As vogais consecutivas que não pertencem a ditongos decrescentes (as que pertencem a ditongos deste tipo nunca se separam: ai- roso, cadei- ra, insti- tui, ora- ção, sacris- tães, traves- sões) podem, se a primeira delas não é u precedido de g ou q, e mesmo que sejam iguais, separar-se na escrita: ala- úde, áre- as, ca- apeba, co- ordenar, do- er, flu- idez, perdo- as, vo- os. O mesmo se aplica aos casos de contiguidade de ditongos, iguais ou diferentes, ou de ditongos e vogais: cai- ais, cai- eis, ensai- os, flu- iu.
5º)Os digramas gu e qu, em que o u se não pronuncia, nunca se separam da vogal ou ditongo imediato (ne- gue, ne- guei; pe- que, pe- quei), do mesmo modo que as combinações gu e qu em que o u se pronuncia: á- gua, ambí- guo, averi- gueis, longín-quos, lo- quaz, quais- quer.
6º) Na translineação de uma palavra composta ou de uma combinação de palavras em que há um hífen, ou mais, se a partição coincide com o final de um dos elementos ou membros, deve, por clareza gráfica, repetir-se o hífen no início da linha imediata: ex- -alferes, serená- -los-emos ou serená-los- -emos, vice- -almirante.
Base XXIDas assinaturas e firmas
Para ressalva de direitos, cada qual poderá manter a escrita que, por costume ou registro legal, adote na assinatura do seu nome.
Com o mesmo fim, pode manter-se a grafia original de quaisquer firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos que estejam inscritos em registro público.
ANEXO II
NOTA EXPLICATIVA DO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA(1990)
1. Memória breve dos acordos ortográficos
A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo.
Tal situação remonta, como é sabido, a 1911, ano em que foi adotada em Portugal a primeira grande reforma ortográfica, mas que não foi extensiva ao Brasil.
Por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, em consonância com a Academia das Ciências de Lisboa, com o objetivo de se minimizarem os inconvenientes desta situação, foi aprovado em 1931 o primeiro acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil. Todavia, por razões que não importa agora mencionar, este acordo não produziu, afinal, a tão desejada unificação dos dois sistemas ortográficos, fato que levou mais tarde à convenção ortográfica de 1943. Perante as divergências persistentes nos Vocabulários entretanto publicados pelas duas Academias, que punham em evidência os parcos resultados práticos do acordo de 1943, realizou-se, em 1945, em Lisboa, novo encontro entre representantes daquelas duas agremiações, o qual conduziu à chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mais uma vez, porém, este acordo não produziu os almejados efeitos, já que ele foi adotado em Portugal, mas não no Brasil.
Em 1971, no Brasil, e em 1973, em Portugal, foram promulgadas leis que reduziram substancialmente as divergências ortográficas entre os dois países. Apesar destas louváveis iniciativas, continuavam a persistir, porém, divergências sérias entre os dois sistemas ortográficos.
No sentido de as reduzir, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras elaboraram em 1975 um novo projeto de acordo que não foi, no entanto, aprovado oficialmente por razões de ordem política, sobretudo vigentes em Portugal.
E é neste contexto que surge o encontro do Rio de Janeiro, em Maio de 1986, e no qual se encontram, pela primeira vez na história da língua portuguesa, representantes não apenas de Portugal e do Brasil mas também dos cinco novos países africanos lusófonos entretanto emergidos da descolonização portuguesa.
O Acordo Ortográfico de 1986, conseguido na reunião do Rio de Janeiro, ficou, porém, inviabilizado pela reação polêmica contra ele movida sobretudo em Portugal.
2.Razões do fracasso dos acordos ortográficos
Perante o fracasso sucessivo dos acordos ortográficos entre Portugal e o Brasil, abrangendo o de 1986 também os países lusófonos de África, importa refletir seriamente sobre as razões de tal malogro.
Analisando sucintamente o conteúdo dos acordos de 1945 e de 1986, a conclusão que se colhe é a de que eles visavam impor uma unificação ortográfica absoluta.
Em termos quantitativos e com base em estudos desenvolvidos pela Academia das Ciências de Lisboa, com base num corpus de cerca de 110.000 palavras, conclui-se que o Acordo de 1986 conseguia a unificação ortográfica em cerca de 99,5% do vocabulário geral da língua. Mas conseguia-a sobretudo à custa da simplificação drástica do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceito por uma parte substancial da opinião pública portuguesa.
Também o acordo de 1945 propunha uma unificação ortográfica absoluta que rondava os 100% do vocabulário geral da língua. Mas tal unificação assentava em dois princípios que se revelaram inaceitáveis para os brasileiros:
a)Conservação das chamadas consoantes mudas ou não articuladas, o que correspondia a uma verdadeira restauração destas consoantes no Brasil, uma vez que elas tinham há muito sido abolidas.
b)Resolução das divergências de acentuação das vogais tônicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n, das palavras proparoxítonas (ou esdrúxulas) no sentido da prática portuguesa, que consistia em as grafar com acento agudo e não circunflexo, conforme a prática brasileira.
Assim se procurava, pois, resolver a divergência de acentuação gráfica de palavras como António e Antônio, cómodo e cômodo, género e gênero, oxigénio e oxigênio, etc., em favor da generalização da acentuação com o diacrítico agudo. Esta solução estipulava, contra toda a tradição ortográfica portuguesa, que o acento agudo, nestes casos, apenas assinalava a tonicidade da vogal e não o seu timbre, visando assim resolver as diferenças de pronúncia daquelas mesmas vogais.
A inviabilização prática de tais soluções leva-nos à conclusão de que não é possível unificar por via administrativa divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, um dos critérios, aliás, em que se baseia o sistema ortográfico da língua portuguesa.
Nestas condições, há que procurar uma versão de unificação ortográfica que acautele mais o futuro do que o passado e que não receie sacrificar a simplificação também pretendida em 1986, em favor da máxima unidade possível. Com a emergência de cinco novos países lusófonos, os fatores de desagregação da unidade essencial da língua portuguesa far-se-ão sentir com mais acuidade e também no domínio ortográfico. Neste sentido importa, pois, consagrar uma versão de unificação ortográfica que fixe e delimite as diferenças atualmente existentes e previna contra a desagregação ortográfica da língua portuguesa.
Foi, pois, tendo presentes estes objetivos, que se fixou o novo texto de unificação ortográfica, o qual representa uma versão menos forte do que as que foram conseguidas em 1945 e 1986. Mas ainda assim suficientemente forte para unificar ortograficamente cerca de 98% do vocabulário geral da língua.
3.Forma e substância do novo texto
O novo texto de unificação ortográfica agora proposto contém alterações de forma (ou estrutura) e de conteúdo, relativamente aos anteriores. Pode dizer-se, simplificando, que em termos de estrutura se aproxima mais do acordo de 1986, mas que em termos de conteúdo adota uma posição mais conforme com o projeto de 1975, atrás referido.
Em relação às alterações de conteúdo, elas afetam sobretudo o caso das consoantes mudas ou não articuladas, o sistema de acentuação gráfica, especialmente das esdrúxulas, e a hifenação.
Pode dizer-se ainda que, no que respeita às alterações de conteúdo, de entre os princípios em que assenta a ortografia portuguesa, se privilegiou o critério fonético (ou da pronúncia) com um certo detrimento para o critério etimológico.
É o critério da pronúncia que determina, aliás, a supressão gráfica das consoantes mudas ou não articuladas, que se têm conservado na ortografia lusitana essencialmente por razões de ordem etimológica.
É também o critério da pronúncia que nos leva a manter um certo número de grafias duplas do tipo de caráter e carácter, facto e fato, sumptuoso e suntuoso, etc.
É ainda o critério da pronúncia que conduz à manutenção da dupla acentuação gráfica do tipo de económico e econômico, efémero e efêmero, género e gênero, génio e gênio, ou de bónus e bônus, sémen e sêmen, ténis e tênis, ou ainda de bebé e bebê, ou metro e metrô, etc.
Explicitam-se em seguida as principais alterações introduzidas no novo texto de unificação ortográfica, assim como a respectiva justificação.
4.Conservação ou supressão das consoantes c, p, b, g, m e t em certas seqüências consonânticas (Base IV)
4.1.Estado da questão
Como é sabido, uma das principais dificuldades na unificação da ortografia da língua portuguesa reside na solução a adotar para a grafia das consoantes c e p, em certas seqüências consonânticas interiores, já que existem fortes divergências na sua articulação.
Assim, umas vezes, estas consoantes são invariavelmente proferidas em todo o espaço geográfico da língua portuguesa, conforme sucede em casos como compacto, ficção, pacto; adepto, aptidão, núpcias; etc.
Neste caso, não existe qualquer problema ortográfico, já que tais consoantes não podem deixar de grafar-se (v. Base IV, 1º a).
Noutros casos, porém, dá-se a situação inversa da anterior, ou seja, tais consoantes não são proferidas em nenhuma pronúncia culta da língua, como acontece em acção, afectivo, direcção; adopção, exacto, óptimo; etc. Neste caso existe um problema. É que na norma gráfica brasileira há muito estas consoantes foram abolidas, ao contrário do que sucede na norma gráfica lusitana, em que tais consoantes se conservam. A solução que agora se adota (v. Base IV, 1º b) é a de as suprimir, por uma questão de coerência e de uniformização de critérios (vejam-se as razões de tal supressão adiante, em 4.2.).
As palavras afectadas por tal supressão representam 0,54% do vocabulário geral da língua, o que é pouco significativo em termos quantitativos (pouco mais de 600 palavras em cerca de 110.000). Este número é, no entanto, qualitativamente importante, já que compreende vocábulos de uso muito frequente (como, por ex., acção, actor, actual, colecção, colectivo, correcção, direcção, director, electricidade, factor, factura, inspector, lectivo, óptimo, etc.).
O terceiro caso que se verifica relativamente às consoantes c e p diz respeito à oscilação de pronúncia, a qual ocorre umas vezes no interior da mesma norma culta (cf. por ex., cacto ou cato, dicção ou dição, sector ou setor, etc.), outras vezes entre normas cultas distintas (cf., por ex., facto, receção em Portugal, mas fato, recepção no Brasil).
A solução que se propõe para estes casos, no novo texto ortográfico, consagra a dupla grafia (v. Base IV, 1º c).
A estes casos de grafia dupla devem acrescentar-se as poucas variantes do tipo de súbdito e súdito, subtil e sutil, amígdala e amídala, amnistia e anistia, aritmética e arimética, nas quais a oscilação da pronúncia se verifica quanto às consoantes b, g, m e t (v. Base IV, 2º).
O número de palavras abrangidas pela dupla grafia é de cerca de 0,5% do vocabulário geral da língua, o que é pouco significativo (ou seja, pouco mais de 575 palavras em cerca de 110.000), embora nele se incluam também alguns vocábulos de uso muito frequente.
4.2. Justificação da supressão de consoantes não articuladas (Base IV 1º b)
As razões que levaram à supressão das consoantes mudas ou não articuladas em palavras como ação (acção), ativo (activo), diretor (director), ótimo (óptimo) foram essencialmente as seguintes:
a)O argumento de que a manutenção de tais consoantes se justifica por motivos de ordem etimológica, permitindo assinalar melhor a similaridade com as palavras congêneres das outras línguas românicas, não tem consistência. Por outro lado, várias consoantes etimológicas se foram perdendo na evolução das palavras ao longo da história da língua portuguesa. Vários são, por outro lado, os exemplos de palavras deste tipo, pertencentes a diferentes línguas românicas, que, embora provenientes do mesmo étimo latino, revelam incongruências quanto à conservação ou não das referidas consoantes.
É o caso, por exemplo, da palavra objecto, proveniente do latim objectu-, que até agora conservava o c, ao contrário do que sucede em francês (cf. objet), ou em espanhol (cf. objeto). Do mesmo modo projecto (de projectu-) mantinha até agora a grafia com c, tal como acontece em espanhol (cf. proyecto), mas não em francês (cf. projet). Nestes casos o italiano dobra a consoante, por assimilação (cf. oggetto e progetto). A palavra vitória há muito se grafa sem c, apesar do espanhol victoria, do francês victoire ou do italiano vittoria. Muitos outros exemplos se poderiam citar. Aliás, não tem qualquer consistência a ideia de que a similaridade do português com as outras línguas românicas passa pela manutenção de consoantes etimológicas do tipo mencionado. Confrontem-se, por exemplo, formas como as seguintes: port. acidente (do lat. accidente-), esp. accidente, fr. accident, it. accidente; port. dicionário (do lat. dictionariu-), esp. diccionario, fr. dictionnaire, it. dizionario; port. ditar (do lat. dictare), esp. dictar, fr. dicter, it. dettare; port. estrutura (de structura-), esp. estructura, fr. structure, it. struttura; etc.
Em conclusão, as divergências entre as línguas românicas, neste domínio, são evidentes, o que não impede, aliás, o imediato reconhecimento da similaridade entre tais formas. Tais divergências levantam dificuldades à memorização da norma gráfica, na aprendizagem destas línguas, mas não é com certeza a manutenção de consoantes não articuladas em português que vai facilitar aquela tarefa.
b)A justificação de que as ditas consoantes mudas travam o fechamento da vogal precedente também é de fraco valor, já que, por um lado, se mantêm na língua palavras com vogal pré-tónica aberta, sem a presença de qualquer sinal diacrítico, como em corar, padeiro, oblação, pregar (= fazer uma prédica), etc., e, por outro, a conservação de tais consoantes não impede a tendência para o ensurdecimento da vogal anterior em casos como accionar, actual, actualidade, exactidão, tactear, etc.
c)É indiscutível que a supressão deste tipo de consoantes vem facilitar a aprendizagem da grafia das palavras em que elas ocorriam.
De fato, como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras como concepção, excepção, recepção, a consoante não articulada é um p, ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante é um c?
Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua.
d)A divergência de grafias existente neste domínio entre a norma lusitana, que teimosamente conserva consoantes que não se articulam em todo o domínio geográfico da língua portuguesa, e a norma brasileira, que há muito suprimiu tais consoantes, é incompreensível para os lusitanistas estrangeiros, nomeadamente para professores e estudantes de português, já que lhes cria dificuldades suplementares, nomeadamente na consulta dos dicionários, uma vez que as palavras em causa vêm em lugares diferentes da ordem alfabética, conforme apresentam ou não a consoante muda.
e)Uma outra razão, esta de natureza psicológica, embora nem por isso menos importante, consiste na convicção de que não haverá unificação ortográfica da língua portuguesa se tal disparidade não for revolvida.
f)Tal disparidade ortográfica só se pode resolver suprimindo da escrita as consoantes não articuladas, por uma questão de coerência, já que a pronúncia as ignora, e não tentando impor a sua grafia àqueles que há muito as não escrevem, justamente por elas não se pronunciarem.
4.3. Incongruências aparentes
A aplicação do princípio, baseado no critério da pronúncia, de que as consoantes c e p em certas sequências consonânticas se suprimem, quando não articuladas, conduz a algumas incongruências aparentes, conforme sucede em palavras como apocalítico ou Egito (sem p, já que este não se pronuncia), a par de apocalipse ou egipcio (visto que aqui o p se articula), noturno (sem c, por este ser mudo), ao lado de noctívago (com c por este se pronunciar), etc.
Tal incongruência é apenas aparente. De fato, baseando-se a conservação ou supressão daquelas consoantes no critério da pronúncia, o que não faria sentido era mantê-las, em certos casos, por razões de parentesco lexical. Se se abrisse tal exceção, o utente, ao ter que escrever determinada palavra, teria que recordar previamente, para não cometer erros, se não haveria outros vocábulos da mesma família que se escrevessem com este tipo de consoante.
Aliás, divergências ortográficas do mesmo tipo das que agora se propõem foram já aceites nas Bases de 1945 (v. Base VI, último parágrafo), que consagraram grafias como assunção ao lado de assumptivo, cativo, a par de captor e captura, dicionário, mas dicção, etc. A razão então aduzida foi a de que tais palavras entraram e se fixaram na língua em condições diferentes. A justificação da grafia com base na pronúncia é tão nobre como aquela razão.
4.4.Casos de dupla grafia (Base IV, 1º c, d e 2º)
Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p e ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porém, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequências consonânticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro; concepção e conceção, recepção e receção; assumpção e assunção, peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso; etc.
De um modo geral pode dizer-se que, nestes casos, o emudecimento da consoante (exceto em dicção, facto, sumptuoso e poucos mais) se verifica, sobretudo, em Portugal e nos países africanos, enquanto no Brasil há oscilação entre a prolação e o emudecimento da mesma consoante.
Também os outros casos de dupla grafia (já mencionados em 4.1.), do tipo de súbdito e súdito, subtil e sutil, amígdala e amídala, omnisciente e onisciente, aritmética e arimética, muito menos relevantes em termos quantitativos do que os anteriores, se verificam sobretudo no Brasil.
Trata-se, afinal, de formas divergentes, isto é, do mesmo étimo. As palavras sem consoante, mais antigas e introduzidas na língua por via popular, foram já usadas em Portugal e encontram-se nomeadamente em escritores dos séculos XVI e XVII.
Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registrar as duas formas, em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.
5.Sistema de acentuação gráfica (Bases VIII a XIII)
5.1.Análise geral da questão
O sistema de acentuação gráfica do português atualmente em vigor, extremamente complexo e minucioso, remonta essencialmente à Reforma Ortográfica de 1911.
Tal sistema não se limita, em geral, a assinalar apenas a tonicidade das vogais sobre as quais recaem os acentos gráficos, mas distingue também o timbre destas.
Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação gráfica entre as duas realizações da língua.
Tais divergências têm sido um obstáculo à unificação ortográfica do português.
É certo que em 1971, no Brasil, e em 1973, em Portugal, foram dados alguns passos significativos no sentido da unificação da acentuação gráfica, como se disse atrás. Mas, mesmo assim, subsistem divergências importantes neste domínio, sobretudo no que respeita à acentuação das paroxítonas.
Não tendo tido viabilidade prática a solução fixada na Convenção Ortográfica de 1945, conforme já foi referido, duas soluções eram possíveis para se procurar resolver esta questão.
Uma era conservar a dupla acentuação gráfica, o que constituía sempre um espinho contra a unificação da ortografia.
Outra era abolir os acentos gráficos, solução adotada em 1986, no Encontro do Rio de Janeiro.
Esta solução, já preconizada no I Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea, realizada em 1967 em Coimbra, tinha sobretudo a justificá-la o fato de a língua oral preceder a língua escrita, o que leva muitos utentes a não empregarem na prática os acentos gráficos, visto que não os consideram indispensáveis à leitura e compreensão dos textos escritos.
A abolição dos acentos gráficos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, preconizada no Acordo de 1986, foi, porém, contestada por uma larga parte da opinião pública portuguesa, sobretudo por tal medida ir contra a tradição ortográfica e não tanto por estar contra a prática ortográfica.
A questão da acentuação gráfica tinha, pois, de ser repensada.
Neste sentido, desenvolveram-se alguns estudos e fizeram-se vários levantamentos estatísticos com o objetivo de se delimitarem melhor e quantificarem com precisão as divergências existentes nesta matéria.
5.2.Casos de dupla acentuação
5.2.1.Nas proparoxítonas (Base XI)
Verificou-se assim que as divergências, no que respeita às proparoxítonas, se circunscrevem praticamente, como já foi destacado atrás, ao caso das vogais tônicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n, com as quais aquelas não formam sílaba (v. Base XI, 3º).
Estas vogais soam abertas em Portugal e nos países africanos recebendo, por isso, acento agudo, mas são do timbre fechado em grande parte do Brasil, grafando-se por conseguinte com acento circunflexo: académico/ acadêmico, cómodo/ cômodo, efémero/ efêmero, fenómeno/ fenômeno, génio/ gênio, tónico/ tônico, etc.
Existem uma ou outra exceção a esta regra, como, por exemplo, cômoro e sêmola, mas estes casos não são significativos.
Costuma, por vezes, referir-se que o a tônico das proparoxítonas, quando seguido de m ou n com que não forma sílaba, também está sujeito à referida divergência de acentuação gráfica. Mas tal não acontece, porém, já que o seu timbre soa praticamente sempre fechado nas pronúncias cultas da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: âmago, ânimo, botânico, câmara, dinâmico, gerânio, pânico, pirâmide.
As únicas exceções a este princípio são os nomes próprios de origem grega Dánae/ Dânae e Dánao/ Dânao.
Note-se que se as vogais e e o, assim como a, formam sílaba com as consoantes m ou n, o seu timbre é sempre fechado em qualquer pronúncia culta da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: êmbolo, amêndoa, argênteo, excêntrico, têmpera; anacreôntico, cômputo, recôndito, cânfora, Grândola, Islândia, lâmpada, sonâmbulo, etc.
5.2.2.Nas paroxítonas (Base IX)
Também nos casos especiais de acentuação das paroxítonas ou graves (v. Base IX, 2º), algumas palavras que contêm as vogais tônicas e e o em final de sílaba, seguidas das consoantes nasais m e n, apresentam oscilação de timbre, nas pronúncias cultas da língua.
Tais palavras são assinaladas com acento agudo, se o timbre da vogal tônica é aberto, ou com acento circunflexo, se o timbre é fechado: fémur ou fêmur, Fénix ou Fênix, ónix ou ônix, sémen ou sêmen, xénon ou xênon; bónus ou bônus, ónus ou ônus, pónei ou pônei, ténis ou tênis, Vénus ou Vênus; etc. No total, estes são pouco mais de uma dúzia de casos.
5.2.3.Nas oxítonas (Base VIII)
Encontramos igualmente nas oxítonas (v. Base VIII, 1º a, Obs.) algumas divergências de timbre em palavras terminadas em e tônico, sobretudo provenientes do francês. Se esta vogal tônica soa aberta, recebe acento agudo; se soa fechada, grafa-se com acento circunflexo. Também aqui os exemplos pouco ultrapassam as duas dezenas: bebé ou bebê, caraté ou caratê, croché ou crochê, guiché ou guichê, matiné ou matinê, puré ou purê; etc. Existe também um caso ou outro de oxítonas terminadas em o ora aberto ora fechado, como sucede em cocó ou cocô, ró ou rô.
A par de casos como este há formas oxítonas terminadas em o fechado, às quais se opõem variantes paroxítonas, como acontece em judô e judo, metrô e metro, mas tais casos são muito raros.
5.2.4.Avaliação estatística dos casos de dupla acentuação gráfica
Tendo em conta o levantamento estatístico que se fez na Academia das Ciências de Lisboa, com base no já referido corpus de cerca de 110.000 palavras do vocabulário geral da língua, verificou-se que os citados casos de dupla acentuação gráfica abrangiam aproximadamente 1,27% (cerca de 1.400 palavras). Considerando que tais casos se encontram perfeitamente delimitados, como se referiu atrás, sendo assim possível enunciar a regra de aplicação, optou-se por fixar a dupla acentuação gráfica como a solução menos onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa.
5.3.Razões da manutenção dos acentos gráficos nas proparoxítonas e paroxítonas
Resolvida a questão dos casos de dupla acentuação gráfica, como se disse atrás, já não tinha relevância o principal motivo que levou em 1986 a abolir os acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas.
Em favor da manutenção dos acentos gráficos nestes casos, ponderaram-se, pois, essencialmente as seguintes razões:
a)Pouca representatividade (cerva de 1,27%) dos casos de dupla acentuação.
b)Eventual influência da língua escrita sobre a língua oral, com a possibilidade de, sem acentos gráficos, se intensificar a tendência para a paroxitonia, ou seja, deslocação do acento tônico da antepenúltima para a penúltima sílaba, lugar mais frequente de colocação do acento tônico em português.
c)Dificuldade em apreender corretamente a pronúncia em termos de âmbito técnico e científico, muitas vezes adquiridos através da língua escrita (leitura).
d)Dificuldades causadas, com a abolição dos acentos, à aprendizagem da língua, sobretudo quando esta se faz em condições precárias, como no caso dos países africanos, ou em situação de auto-aprendizagem.
e)Alargamento, com a abolição dos acentos gráficos, dos casos de homografia, do tipo de análise(s)/ analise(v.), fábrica(s.)/ fabrica(v.), secretária(s.)/ secretaria(s. ou v.), vária(s.)/ varia(v.), etc., casos que apesar de dirimíveis pelo contexto sintático, levantariam por vezes algumas dúvidas e constituiriam sempre problema para o tratamento informatizado do léxico.
f)Dificuldade em determinar as regras de colocação do acento tônico em função da estrutura mórfica da palavra. Assim, as proparoxítonas, segundo os resultados estatísticos obtidos da análise de um corpus de 25.000 palavras, constituem 12%. Destes, 12%, cerca de 30% são falsas esdrúxulas (cf. génio, água, etc.). Dos 70% restantes, que são as verdadeiras proparoxítonas (cf. cômodo, gênero, etc.), aproximadamente 29% são palavras que terminam em -ico /-ica (cf. ártico, econômico, módico, prático, etc.). Os restantes 41% de verdadeiras esdrúxulas distribuem-se por cerca de duzentas terminações diferentes, em geral de caráter erudito (cf. espírito, ínclito, púlpito; filólogo; filósofo; esófago; epíteto; pássaro; pêsames; facílimo; lindíssimo; parêntesis; etc.).
5.4.Supressão de acentos gráficos em certas palavras oxítonas e paroxítonas (Bases VIII, IX e X)
5.4.1.Em casos de homografia (Bases VIII, 3º e IX, 9º e 10º)
O novo texto ortográfico estabelece que deixem de se acentuar graficamente palavras do tipo de para (á), flexão de parar, pelo (ê), substantivo, pelo (é), flexão de pelar, etc., as quais são homógrafas, respectivamente, das proclíticas para, preposição, pelo, contração de per e lo, etc.
As razões por que se suprime, nestes casos, o acento gráfico são as seguintes:
a)Em primeiro lugar, por coerência com a abolição do acento gráfico já consagrada pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei nº 5.765, de 18/12/1971, no Brasil, em casos semelhantes, como, por exemplo: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locação de cor; sede (ê) e sede (é), ambos substantivos; etc.
b)Em segundo lugar, porque, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintático permite distinguir claramente tais homógrafas.
5.4.2.Em paroxítonas com os ditongos ei e oi na sílaba tônica (Base IX, 3º)
O novo texto ortográfico propõe que não se acentuem graficamente os ditongos ei e oi tônicos das palavras paroxítonas. Assim, palavras como assembleia, boleia, ideia, que na norma gráfica brasileira se escrevem com acento agudo, por o ditongo soar aberto, passarão a escrever-se sem acento, tal como aldeia, baleia, cheia, etc.
Do mesmo modo, palavras como comboio, dezoito, estroina, etc., em que o timbre do ditongo oscila entre a abertura e o fechamento, oscilação que se traduz na facultatividade do emprego do acento agudo no Brasil, passarão a grafar-se sem acento.
A generalização da supressão do acento nestes casos justifica-se não apenas por permitir eliminar uma diferença entre a prática ortográfica brasileira e a lusitana, mas ainda pelas seguintes razões:
a) Tal supressão é coerente com a já consagrada eliminação do acento em casos de homografia heterofônica (v. Base IX, 10º, e, neste texto atrás, 5.4.1.), como sucede, por exemplo, em acerto, substantivo, e acerto, flexão de acertar, acordo, substantivo, e acordo, flexão de acordar, fora, flexão de ser e ir, e fora, advérbio, etc.
b)No sistema ortográfico português não se assinala, em geral, o timbre das vogais tônicas a, e e o das palavras paroxítonas, já que a língua portuguesa se caracteriza pela sua tendência para a paroxitonia. O sistema ortográfico não admite, pois, a distinção entre, por exemplo cada (â) e fada (á), para (â) e tara (á); espelho (ê) e velho (é), janela (é) e janelo (ê), escrevera (ê), flexão de escrever, e Primavera (é); moda (ó) e toda (ô), virtuosa (ó) e virtuoso (ô); etc.
Então, se não se torna necessário, nestes casos, distinguir pelo acento gráfico o timbre da vogal tónica, por que se há-de usar o diacrítico para assinalar a abertura dos ditongos ei e oi nas paroxítonas, tendo em conta que o seu timbre nem sempre é uniforme e a presença do acento constituiria um elemento perturbador da unificação ortográfica?
5.4.3.Em paroxítons do tipo de abençoo, enjoo, voo, etc. (Base IX, 8º)
Por razões semelhantes às anteriores, o novo texto ortográfico consagra também a abolição do acento circunflexo, vigente no Brasil, em palavras paroxítonas como abençoo, flexão de abençoar, enjoo, substantivo e flexão de enjoar, moo, flexão de moer, povoo, flexão de povoar, voo, substantivo e flexão de voar, etc.
O uso do acento circunflexo não tem aqui qualquer razão de ser, já que ele ocorre em palavras paroxítonas cuja vogal tônica apresenta a mesma pronúncia em todo o domínio da língua portuguesa. Além de não ter, pois, qualquer vantagem nem justificação, constitui um fator que perturba a unificação do sistema ortográfico.
5.4.4.Em formas verbais com u e ui tônicos, precedidos de g e q (Base X, 7º)
Não há justificação para se acentuarem graficamente palavras como apazigue, arguem, etc., já que estas formas verbais são paroxítonas e a vogal u é sempre articulada, qualquer que seja a flexão do verbo respectivo.
No caso de formas verbais como argui, delinquis, etc., também não há justificação para o acento, pois se trata de oxítonas terminadas no ditongo tónico ui, que como tal nunca é acentuado graficamente.
Tais formas só serão acentuadas se a seqüência ui não formar ditongo e a vogal tônica for i, como, por exemplo, arguí (1ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo).
6.Emprego do hífen (Bases XV a XVIII)
6.1.Estado da questão
No que respeita ao emprego do hífen, não há propriamente divergências assumidas entre a norma ortográfica lusitana e a brasileira. Ao compulsarmos, porém, os dicionários portugueses e brasileiros e ao lermos, por exemplo, jornais e revistas, deparam-se-nos muitas oscilações e um largo número de formações vocabulares com grafia dupla, ou seja, com hífen e sem hífen, o que aumenta desmesurada e desnecessariamente as entradas lexicais dos dicionários. Estas oscilações verificam-se sobretudo nas formações por prefixação e na chamada recomposição, ou seja, em formações com pseudoprefixos de origem grega ou latina.
Eis alguns exemplos de tais oscilações: ante-rosto e anterrosto, co-educação e coeducação, pré-frontal e prefrontal, sobre-saia e sobressaia, sobre-saltar e sobressaltar, aero-espacial e aeroespacial, auto-aprendizagem e autoaprendizagem, agro-industrial e agroindustrial, agro-pecuária e agropecuária, alvéolo-dental e alveolodental, bolbo-raquidiano e bolborraquidiano, geo-história e geoistória, micro-onda e microonda; etc.
Estas oscilações são, sem dúvida, devidas a uma certa ambiguidade e falta de sistematização das regras que sobre esta matéria foram consagradas no texto de 1945. Tornava-se, pois, necessário reformular tais regras de modo mais claro, sistemático e simples. Foi o que se tentou fazer em 1986.
A simplificação e redução operadas nessa altura, nem sempre bem compreendidas, provocaram igualmente polêmica na opinião pública portuguesa, não tanto por uma ou outra incongruência resultante da aplicação das novas regras, mas sobretudo por alterarem bastante a prática ortográfica neste domínio.
A posição que agora se adota, muito embora tenha tido em conta as críticas fundamentadas ao texto de 1986, resulta, sobretudo, do estudo do uso do hífen nos dicionários portugueses e brasileiros, assim como em jornais e revistas.
6.2.O hífen nos compostos (Base XV)
Sintetizando, pode dizer-se que, quanto ao emprego do hífen nos compostos, locuções e encadeamentos vocabulares, se mantém o que foi estatuído em 1945, apenas se reformulando as regras de modo mais claro, sucinto e simples.
De fato, neste domínio não se verificam praticamente divergências nem nos dicionários nem na imprensa escrita.
6.3.O hífen nas formas derivadas (Base XVI)
Quanto ao emprego do hífen nas formações por prefixação e também por recomposição, isto é, nas formações com pseudoprefixos de origem grega ou latina, apresenta-se alguma inovação. Assim, algumas regras são formuladas em termos contextuais, como sucede nos seguintes casos:
a)Emprega-se o hífen quando o segundo elemento da formação começa por h ou pela mesma vogal ou consoante com que termina o prefixo ou pseudoprefixo (por ex. anti-higiênico, contra-almirante, hiper-resistente).
b)Emprega-se o hífen quando o prefixo ou falso prefixo termina em m e o segundo elemento começa por vogal, m ou n (por ex. circum-murado, pan-africano).
As restantes regras são formuladas em termos de unidades lexicais, como acontece com oito delas (ex-, sota- e soto-, vice- e vizo-; pós-, pré- e pró-).
Noutros casos, porém, uniformiza-se o não emprego do hífen, do modo seguinte:
a)Nos casos em que o prefixo ou o pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, estas consoantes dobram-se, como já acontece com os termos técnicos e científicos (por ex. antirreligioso, microssistema).
b)Nos casos em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente daquela, as duas formas aglutinam-se, sem hífen, como já sucede igualmente no vocabulário científico e técnico (por ex. antiaéreo, aeroespacial)
6.4.O hífen na ênclise e tmese (Base XVII)
Quanto ao emprego do hífen na ênclise e na tmese mantêm-se as regras de 1945, exceto no caso das formas hei de, hás de, há de, etc., em que passa a suprimir-se o hífen. Nestas formas verbais o uso do hífen não tem justificação, já que a preposição de funciona ali como mero elemento de ligação ao infinitivo com que se forma a perífrase verbal (cf. hei de ler, etc.), na qual de é mais proclítica do que apoclítica.
7.Outras alterações de conteúdo
7.1.Inserção do alfabeto (Base I)
Uma inovação que o novo texto de unificação ortográfica apresenta, logo na Base I, é a inclusão do alfabeto, acompanhado das designações que usualmente são dadas às diferentes letras. No alfabeto português passam a incluir-se também as letras k, w e y, pelas seguintes razões:
a)Os dicionários da língua já registram estas letras, pois existe um razoável número de palavras do léxico português iniciado por elas.
b)Na aprendizagem do alfabeto é necessário fixar qual a ordem que aquelas letras ocupam.
c)Nos países africanos de língua oficial portuguesa existem muitas palavras que se escrevem com aquelas letras.
Apesar da inclusão no alfabeto das letras k, w e y, mantiveram-se, no entanto, as regras já fixadas anteriormente, quanto ao seu uso restritivo, pois existem outros grafemas com o mesmo valor fônico daquelas. Se, de fato, se abolisse o uso restritivo daquelas letras, introduzir-se-ia no sistema ortográfico do português mais um fator de perturbação, ou seja, a possibilidade de representar, indiscriminadamente, por aquelas letras fonemas que já são transcritos por outras.
7.2.Abolição do trema (Base XIV)
No Brasil, só com a Lei nº 5.765, de 18/12/1971, o emprego do trema foi largamente restringido, ficando apenas reservado às sequências gu e qu seguidas de e ou i, nas quais u se pronuncia (cf. aguentar, arguente, eloquente, equestre, etc.).
O novo texto ortográfico propõe a supressão completa do trema, já acolhida, aliás, no Acordo de 1986, embora não figurasse explicitamente nas respectivas bases. A única ressalva, neste aspecto, diz respeito a palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros com trema (cf. mülleriano, de Müller, etc.).
Generalizar a supressão do trema é eliminar mais um fator que perturba a unificação da ortografia portuguesa.
8.Estrutura e ortografia do novo texto
Na organização do novo texto de unificação ortográfica optou-se por conservar o modelo de estrutura já adotado em 1986. Assim, houve a preocupação de reunir, numa mesma base, matéria afim, dispersa por diferentes bases de textos anteriores, donde resultou a redução destas a vinte e uma.
Através de um título sucinto, que antecede cada base, dá-se conta do conteúdo nela consagrado. Dentro de cada base adotou-se um sistema de numeração (tradicional) que permite uma melhor e mais clara arrumação da matéria aí contida.
Publicação: Diário Oficial da União - Seção 1 - 30/09/2008 , Página 1 (Publicação)